O Judiciário das massas

Esse excelente artigo reúne as obras de dois brasileiros que visitaram países socialistas nas décadas de 40 e 50 do século passado, e trouxeram relatos preciosos sobre as instituições jurídicas na União Soviética e China.

Bárbara Viana

Nas décadas de 40 e 50, milhões de pessoas visitaram os países socialistas, principalmente a União Soviética e a China. Incontáveis foram os relatos de viagem, em forma de diário, narrativas políticas ou comentários técnicos acerca do modo de produção socialista e das realizações das massas populares derrubando barreiras para a construção acelerada do socialismo. Isto ocorria em todos os setores da vida da sociedade, e eram as próprias massas que exigiam a transformação, uma vez que, com o poder nas mãos, destruíam o velho e construíam o novo.

O consagrado jurista e patriota brasileiro Osny Duarte Pereira, participou em Berlim do V Congresso da Associação Internacional de Juristas Democratas, ao lado de pensadores de todos os continentes em setembro de 1951, tendo aproveitado a ocasião para percorrer a Tchecoslováquia e a União Soviética. Osny Duarte Pereira não era comunista, mas nos registros que faz com honestidade no livro Juízes brasileiros atrás da Cortina de Ferro1, revela a superioridade do modo de vida dos soviéticos e demais povos socialistas.

O Congresso da Associação Internacional de Juristas Democratas teve a cobertura jornalística de Jurema Yari Finamour, brilhante jornalista, autora de obras como Coréia sem paz; Quatro semanas na União Soviética; Vais bien Fidel; Bem te vi, Amazônia; a autobiografia A mulher que virou bode e vários outros. Em 1956, Jurema viajou pela China, e o relato desta sua viagem encontra-se no livro China sem muralhas2, do qual extraímos suas considerações sobre a justiça entre os chineses, a Lei do Casamento e as prisões.

Osny, sobre a magistratura

“(…) Em Moscou os juízes têm circunscrição territorial, de modo que funcionam espalhados por toda a cidade. Nos levaram a um dos (tribunais) mais centrais (…) Aqui é o número de processos que determina uma circunscrição.

Nenhum juiz deve receber mais de 40 processos por mês para sentenciar. Portanto, se uma circunscrição, seja pela natureza dos serviços públicos que ali estão sediados, seja por outras fábricas ali construídas, seja por qualquer motivo está crescendo de maneira a acarretar mais do que a média mensal de 40 sentenças, a Administração da Justiça modifica imediatamente os limites territoriais de modo a formar uma outra circunscrição (…) Do mesmo modo, se o serviço baixa, a circunscrição se suprime e os territórios são incorporados aos das vizinhas.

(…) Não há vitaliciedade, nem mesmo entre os juízes da Suprema Instância. O Parlamento pode substituir os juízes.
(…) O empenho na manutenção do laço conjugal se manifesta na particularidade de que os divórcios litigiosos apenas podem ser examinados pela Segunda Instância. A primeira não tem competência para essa natureza de causas. Os crimes políticos também escapam à jurisdição da Primeira Instância, bem como os que interessam à segurança do Estado. Para determinados delinquentes ou vítimas, isto é, quando se trata de altos funcionários da administração, tal como nos outros países, a competência é da Suprema Côrte.

(…) levam-nos a uma sala de julgamento onde o juiz -presidente exerce o cargo há seis anos. Muitos juízes-presidentes têm sido reeleitos há vinte anos.

(…) Em se tratando de delitos praticados por menores, o julgamento deverá ser preferentemente feito por tribunal de que faça parte um médico e um professor sob a presidência de juiz de curso jurídico universitário, somente se dispensando no caso de impossibiidade absoluta. O cumprimento de penas se faz em colônias especiais de educação.

(…) Ainda relativamente ao divórcio litigioso, cuja sentença se dá apenas em Segunda Instância, a declaração do mesmo não se faz, em base de haver ou não, cônjuge culpado, mas de existir ou não conveniência na manutenção do vínculo. Especialmente se há filhos. Estes é que determinam, em primeiro lugar, a permanência do laço conjugal. Se o interesse de sua educação aconselha que se mantenha o casamento, o divórcio será negado.

(…) Como tudo isso é diferente do propalado “amor livre” que sempre ouvia a respeito do casamento na União Soviética! Ainda, para isso, é sugestivo o julgamento de um pedido litigioso de divórcio que vamos assistir num Tribunal Regional de Moscou, o que adiante descrevemos. (…) Versa a hipótese sobre um cidadão com 55 anos que já tem filhos adultos de um casamento anterior e exerce as funções de sub-gerente de um restaurante, casado com uma operária de 39 anos, há mais de um ano, e que pretende o divórcio porque o motivo de seu casamento fora a vontade de ter mais filhos e, entretanto, ela é estéril e muito sem ordem, circunstâncias que lhe foram ocultadas. (…) A esposa se opunha ao pedido, porque se casara com a finalidade de ter um apoio na velhice que se aproxima, pretendendo deixar de trabalhar. A esterilidade é curável, segundo afirmação do médico que lhe trata e já era do conhecimento do marido antes do enlace, o qual queria contrair núpcias de qualquer modo, não obstante muitas ponderações que ela havia feito, especialmente por não ser pessoa saudável, nem ter cultura suficiente para acompanhá-lo em seus prazeres intelectuais. O autor, naquela época, considerava tolas essas objeções e agora pretende se desfazer dela de qualquer forma.

(…) Ela atribui o verdadeiro motivo a um romance com outra mulher. O homem nega, mas diante das advertências de que o falso testemunho poderá acarretar cadeia, acaba declarando que tem amizade com outra moça, porém não há intenção de casar com essa, nem existem relações íntimas, sendo tudo meras suposições da esposa.

(…) Uma das juízes fez várias advertências ao marido contra o perigo dos rabos de saia e retiraram-se. A sentença negou o divórcio requerido. Na Delegação Brasileira, o elemento feminino achou errada a decisão do tribunal. Pois era injusto manter o casamento contra a vontade, especialmente quando ela havia se casado por interesse econômico. Nós, os maridos, curiosamente achamos justa a decisão, porque a esterilidade, dada como causa, era conhecida pelo marido e, nessas condições, o erro essencial alegado não existia. Como é difícil julgar… (…)”

Jurema: leis e tribunais

“(…) — A lei na nova China é para servir ao povo — disse-me um jurista durante um almoço. Por isso a elaboração dos códigos é feita pacientemente de acordo com a realidade, com o acontecido. (…) O importante é que desejamos discutir. E a liberdade de crítica e iniciativa é absoluta entre os juristas chineses. Todos trabalham para um fim: melhorar as condições de vida do povo.

(…) — Há um só sistema de Corte em nosso país, incluindo a Corte Militar. Não possuímos tribunais especiais. A Corte tem o direito exclusivo de julgar os casos de violação da lei, não importa o personagem que se veja envolvido. Temos a Corte Superior que pode ser ordinária e especializada. A seguir temos a Corte de Cassação, que é a mais elevada. (…)

— Somente dois organismos podem decidir sobre as prisões: a Procuradoria e a Corte. A polícia não pode prender ninguém sem permissão do Procurador-Geral. Em caso de crime, a polícia poderá deter o indivíduo somente por 24 horas, dentro das quais deverá buscar a aprovação da Procuradoria-Geral, e esta, por sua vez, será obrigada, dentro de 48 horas, a dar uma solução: prender em definitivo ou liberar. Se a Procuradoria não está de acordo com a prisão a polícia deverá liberar o preso imediatamente. Esta é uma lei criada para proteger o indivíduo de injustiças e prisões inocentes.

Agora fala-me dos julgamentos.

— Somente os processos simples ou inscritos em lei especial dispensam os assessores. Nos processos civis ou penais os mesmos são obrigatórios. O julgamento se faz por três pessoas. Um juiz assistido por dois assessores que são eleitos pelo povo, escolhidos entre operários, artistas, comerciantes, etc. Os assessores durante o trabalho estão em pé de igualdade com os juízes. Não somente têm o direito de verificar a culpabilidade, mas também dar a decisão. Se estes querem liberar o réu e o juiz é contrário, vencem os primeiros. A decisão jurídica deve ser assinada pelos três. Faltando uma das assinaturas, não será válida.

(…) — O país está muito contente com esse sistema. Antes da liberação o povo tinha horror à Corte. Hoje colabora, defende-se, sente-se seguro, os julgamentos de três pessoas mostram muito bons resultados.”

Processos judiciais educativos

Os julgamentos públicos chamam a atenção dos visitantes, mas seu caráter educativo, o envolvimento dos espectadores com os casos julgados e a justiça das sentenças impressionam mais ainda:

“(…) — Muitas vezes, se um julgamento pode trazer ensinamentos ao povo, é feito publicamente — adverte-me um juiz e chefe da secção criminal de um tribunal de base, na cidade de Cantão. Diz que o principal objetivo dos julgamentos educacionais é efetivamente, o de diminuir a criminalidade.

— O réu de hoje é um ciclista e muitos outros existem entre os espectadores.

— Assim — explicou-me — antes da liberação vivíamos numa sociedade de costumes feudais. As nossas mulheres não tinham nenhum direito. Após a liberação, fizemos muitos julgamentos públicos de casos de maus tratos em relação às mesmas e estes diminuíram consideravelmente. É só raciocinar — prossegue. De assistentes teremos 3 mil pessoas. Pelo menos 8 mil escutarão o julgamento pelo rádio. É uma boa escola e tem dado muito bons resultados…

O teatro está repleto. Ocupamos um camarote.

Assistimos ao julgamento de um tribunal de base. Os mesmos três juízes de sempre. Um juiz efetivo e dois assessores. O réu aparece. Um pobre rapaz de cabelos revoltos coloca-se em pé, de costas para o público. Os nomes dos juízes são lidos em voz alta. Nenhum impedimento. Prosseguem. O motivo: correu muito num triciclo e causou a morte de um velho. (…)

Explica o acusado:

— Eu vinha de cabeça baixa. Pensava em minha mulher enferma. O pobre homem atravessou a rua, fora da faixa. O peso do triciclo era demasiado. A rua, uma ladeira. Impossível frear. Aconteceu o inevitável. Quando o vi estendido no solo, abracei-me a seu corpo e chamei por socorro.

Nesse ponto a assistência dá opiniões. Pequenos papelinhos são entregues aos soldados de guarda que depositam por sua vez na mesa do juiz.

— Você corria demasiado! — afirma o juiz.

— A velocidade era a mesma de sempre. Apenas, a rua era uma ladeira — justifica.

Seus olhos viram uma farmácia, pensou nos remédios que sua mulher necessitava e distraiu-se. Chora diante de todos.

A assistência parece que se inquieta. Ondula-se a massa, quase uniforme no seu colorido. O azul em algumas tonalidades e o branco formam o conjunto de homens e mulheres que vieram assistir ao julgamento.

— Quais os seus sentimentos, no momento do acidente? — pergunta-lhe o juiz de improviso.

— Eu sabia que estava em falta. Por causa de minha mulher, fazia morrer outro ser. Sentia-me em desgraça. Aprendi que o governo socialista zela pela vida de todos nós, pelas nossas condições de trabalho e eu, por egoísmo, por distração, cometo um crime!

(…) Saímos da sala para esperar o veredicto. Um pequeno intervalo onde as discussões se acaloram. Um brasileiro pessimista afirma:

— “Se fôssemos julgar, em nosso país, todos os pequenos casos como este, com tanto aparato, não acabaríamos nunca”!

— Também os temos aos milhares — diz-nos o jurista chinês. Mas um julgamento como este não evita, pelo menos, umas centenas?

Voltamos ao teatro. Condenado a dois anos com direito a sursis. Poderá sair, livremente, mas durante dois anos, se cometer outra falta, virá cumprir a pena.

— Hoje será posto em liberdade. Deverá pagar uma multa de 200 yuans que poderá ser dividida em três vezes – esclarece o amigo que nos acompanha.

Saímos com uma sensação de alívio.”

Recuperação nas penitenciárias

Jurema registra que, nas penitenciárias, tudo é diferente. Poucos guardas, higiene absoluta, formação política e técnica e muito trabalho para os presos, porque estes também ajudam a construir o socialismo.

“Estamos ainda em Hangt-Cheou e visitamos um Instituto de Reeducação pelo Trabalho.

— Existem, no mesmo, duas usinas fundadas em agosto de 1952. A primeira é para a fabricação de seda e cetim e a segunda para a produção de instrumentos agrícolas — esclarece-nos o diretor da prisão escola. “Antigamente — prossegue — neste lugar era a prisão militar do Kuo Min Tang. Ao ser por nós transformada em fábricas do Instituto de Reeducação, vários edifícios foram construídos. No início, logo após a liberação, não tinham um objetivo certo, determinado. Existiam apenas 10 teares, que se desdobraram em 40. Há na China 500 prisões operárias como esta. Entre os 250 detidos existem apenas 10 mulheres.

(…) Vamos agora percorrer as instalações. Estas são modestas, como aliás são todas as instalações das organizações chinesas. Várias vezes surpreendo-me, na China milenar ouvindo a frase: “Nosso país é muito jovem. Temos apenas seis anos…” Isto significa que tudo que possuem agora foi construído após a liberação. (…)

— Produzem aqui — diz um dos acompanhantes — cada dia 9 mil quilos de produtos de ferro. — Trabalham como qualquer operário, não vejo diferença — afirmo.

— Em nosso país procuramos fazer do prisioneiro um homem comum.

(…) — Nunca houve uma revolta e verificaram-se apenas duas evasões, desde 1954. Penso involuntariamente nas trágicas revoltas e evasões, das grandes e confortáveis prisões americanas que o próprio cinema de Hollywood, tantas vezes, nos fez conhecer…

— Qual será a causa do milagre dessa pacificação?

— Creio que a educação política que ministramos aos presos lhes eleva a consciência — responde-me, um pouco indeciso, o diretor.

A guarda não pode ser tão grande, pois que até agora só vi um soldado na porta de entrada. (…) Não existem assassinos nesta escola de trabalho. Estes estão em escolas especiais. Se um prisioneiro viola o regulamento é criticado publicamente, para reeducação, pela própria equipe de companheiros.

(…) — Ensinamos a ler e escrever aos nossos prisioneiros. Não lhes proibimos a religião pessoal. Aos muçulmanos suspendemos a carne de porco que a sua religião proíbe. Os que tinham emprego voltam para suas funções antigas ou o Governo lhes dará trabalho em qualquer outra organização. Através da organização do bem estar do Instituto a família dos presos é atendida em suas necessidades mais prementes. Como divertimento? Existem muitos círculos, de dança, de teatro, de cinema. Os próprios prisioneiros dão representações.

— A prisão mais longa, neste Instituto, é de 15 anos. Os que devem cumprir pena perpétua são transferidos para uma prisão provincial. A maior parte desses prisioneiros são ladrões. As brigas são raras. O homossexualismo não existe. Aos casados, estamos cogitando de fazer depender da boa conduta, o fato de poderem receber suas mulheres. (…) É permitida a leitura de todos os jornais. Entra um jornal para cada 10 pessoas. Lêem livremente. É permitido falar com os advogados, escrever-lhes, solicitar ajuda. Se o criminoso pode vir a pedido para esta usina? Não. É o Governo que o envia. Além do trabalho estudam por dia duas horas, fazem uma hora e meia de atividades recreativas e o resto é livre. A renda da usina é maior que a sua despesa, sim.

(…) Ainda não estão satisfeitos os visitantes. Querem ver a cela solitária.

(…) — Como era a solitária? — pergunto.

— Ora! — responde alegre um deles. — Simplesmente uma sala de três por quatro metros, bem ventilada. Uma esteira, cobertas e travesseiros. A mesma higiene de sempre e… vazia! Estamos até um pouco decepcionados… — Fez um delegado com gaiatice.

Efetivamente, achamos que existem deficiências nas acomodações da penitenciária de Hangt-Cheou, quando pensamos nas penitenciárias modelos que possuímos, mas, lendo as corajosas reportagens de um jornalista brasileiro sobre nossas prisões, “enfiamos a viola no saco” e silenciamos. Não podemos ser arrogantes, diante das dantescas condições de nossas casas de detenção. Devemos aprender a modéstia e a temperança com este educado povo, que nos recebeu com fidalguia e superioridade.

Nesse terreno, nossas deficiências são bem maiores que nossas conquistas… (…) Velha prisão fundada em 1905, na dinastia dos manchús tornou-se, com a liberação, uma penitenciária de reeducação com o nome de Primeira Prisão da Província de Tien Su, da cidade de Nanquim, antiga capital do Kuo Min Tang.

(…) — Sob o ponto de vista cultural não ficaram para traz em relação à sociedade. Embora nosso trabalho ainda sofra sérias deficiências, organizamos conferências, reuniões de estudos políticos, filmes educativos, teatro. No terreno dos esportes: ping-pong, bilhar, volley. (…) Nem só de pão vive o homem, diz o provérbio, e lá está a biblioteca para os condenados: Obras escolhidas de Mao Tsetung, Constituição da República Popular da China, Conhecimento do mundo (…) são os que estão expostos. Nesta ala as celas estão ocupadas. São os que trabalham em outro horário com certeza. Lêem jornais, livros, estudam em cadernos… Um jornal mural com críticas, confissões, desenhos.

Deparo, num longo corredor, um espetáculo magnífico. Dezenas estão sentados sobre esteiras com um livro aberto nos joelhos enquanto um deles, de pé, lê, em voz alta, e os outros repetem em coro os diferentes caracteres chineses. Aprendem a ler. Alguns são bem idosos e é comovente ver estes homens já tão vividos e sofridos dando os seus primeiros passos na alfabetização. (…) Um homem de cabeça raspada, rosto largo e dentes perfeitos, está sentado em um esteira entregue a seus pensamentos. Não lê nem livro nem jornal.

— Está descansando porque se machucou – me dizem.
Ele mostrou a perna onde um raspão foi medicado com mercúrio cromo. Não parece nada grave, ele mesmo está com um ar muito satisfeito mostrando sua canela esfolada.

(…) — Por que você veio parar aqui?

Entre os chineses que me cercam está uma moça da Administração. Responde pelo preso. Uma censura partiu dos lábios de todos, as mãos ergueram-se, levadas por um só impulso, num gesto de quem pede silêncio. Como se quisessem dizer: “quem deve responder é o condenado. A pergunta não foi dirigida a você…” O prisioneiro responde e todos estão atentos e silenciosos. — Fui condenado por ter sido contra-revolucionário.

— Por que razão você é contra-revolucionário?

— Deixei-me influenciar pelo regime apodrecido do Kuo Min Tang e quis sabotar a revolução que liberou nossa pátria.

— Você já está arrependido?

— Agora vou trabalhar bem. O Governo Popular cuida de nós com carinho. Vou trabalhar bem — reafirma com convicção.

Proteção à mulher e à família

Em audiência com o vice-Ministro da Justiça, Jurema conhece a nova Lei do Casamento da China, que marca um golpe duríssimo no feudalismo chinês, no que diz respeito às mulheres. A igualdade além das formalidades da lei, ou seja, de fato, deixa em xeque as constituições democráticas ocidentais, que só reconhecem esta igualdade no papel. A proteção às crianças também era relevante na China revolucionária:

“(…) — Agora podemos apreciar nossa nova Lei de Casamento. Esta lei foi promulgada em 1950, na Nova China, portanto. Vivíamos, antes da liberação, em regime feudal. As mulheres eram sempre exploradas pelo homem… No relatório escrito pelo Presidente Mao Tsetung está escrito que os homens chineses foram subordinados a três espécies de exploração. Primeiro: explorado pelo regime feudal; segundo: explorado pelos pais; e, terceiro: explorado por Deus. Às mulheres, acrescentou mais uma forma de exploração: a exploração pelo marido.

(…) — Após muitas discussões, a nova lei apareceu trazendo, em suas disposições gerais, os artigos nº 1 e 2, com o seguinte teor: “Está abolido o sistema matrimonial feudal, arbitrário e imperativo, baseado na superioridade do homem sobre a mulher, e indiferente aos interesses das crianças. Será posto em aplicação o sistema matrimonial da nova democracia, baseado na liberdade do homem e da mulher de se escolherem como cônjuges, na monogamia, na igualdade de direitos entre os dois sexos e na proteção dos interesses legítimos da mulher e dos filhos”, e, “são proibidos a bigamia, o concubinato e a adoção de meninas-noivas”. São proibidas, igualmente, a intervenção nos casamentos das viúvas e toda extorsão dos bens existentes em contrato matrimonial entre quem quer que seja.

(…) — Na fase de preparação muitos organismos foram ouvidos?

— No período de preparação ouvimos as opiniões do Tribunal Superior, do Ministério da Justiça, dos organismos populares, das minorias sem exceção, da organização internacional de mulheres. Após um ano de trabalho, promulgamos a lei.

(…) — A nova Lei de Casamento na China tem quatro características. Primeiro: liberdade absoluta de casamento; segundo: o casamento só é permitido com uma só mulher. Acabou-se a poligamia. A terceira característica está baseada na igualdade de direitos do homem e da mulher. E, por fim, a quarta característica preserva os interesses da mulher e dos filhos. — Segundo a lei, é preciso que ambos os cônjuges se casem com pleno consentimento. Nenhuma obrigação, nenhum interesse. Por outro lado, lutamos contra os casamentos cegos, de obrigação. Segundo a nova lei não é possível que o homem tenha muitas mulheres ao mesmo tempo, nem casar duas vezes sem o divórcio homologado.

(…) — Em que consiste o princípio de proteção à mulher e criança?

— Por exemplo: se a mulher fica grávida o homem não pode pedir o divórcio. Este só poderá solicitá-lo um ano após o parto de sua mulher.

— E a mulher pode solicitá-lo nessas condições?

— É claro que pode. Depende exclusivamente dela separar-se ou não do homem durante este período.

— No tocante ao divórcio a lei garante as mesmas relações entre os pais e os filhos, depois da separação. Não há possibilidade de um deles se colocar com direito exclusivo sobre os filhos. Muito embora, mesmo em seguida ao divórcio, os pais tenham as mesmas obrigações em relação à criação e à educação dos filhos.

(…) — O divórcio também é feito com o pleno consentimento de ambas as partes. Se uma das partes pede o divórcio, o Tribunal deve proceder a uma investigação, saber claramente se existem condições para evitá-lo. Verificada a impossibilidade de viverem juntos é que o divórcio será concedido. Não é tão fácil como se pensa – diz o senhor Ken Ho; não são concedidos divórcios por motivos fúteis.

(…) — Abordamos rapidamente os casos de delinquência feminina e infantil. Disse-me a senhora Lio: — Nosso país é um país socialista e esta é a sua superioridade. Antigamente os homens eram impulsionados a roubar e até a matar, pela miséria. À medida que sobe o nível de vida e há trabalho para todos, os crimes e roubos diminuem. Organizações infantis, como os palácios de pioneiros, ocupam as horas livres dos estudos de grande percentagem de crianças. Organizações femininas ajudam as mulheres a resolver seus problemas mais prementes, e lhes dão toda espécie de assistência. Graças ao desenvolvimento da economia nacional e do melhoramento das condições de vida, o número de delinqüentes diminui dia a dia. Graças, também – explica a senhora Lio Man – à nossa divulgação dos textos da lei, instruindo o povo quanto aos seus direitos e deveres, a consciência do povo se eleva. Os julgamentos públicos que você teve a oportunidade de assistir, com a sua propaganda pelos jornais e rádio, influenciam beneficamente na formação da consciência do povo e dificultam cada vez mais as reincidências…”


1 Pereira, Osny Duarte – Juizes brasileiros atrás da cortina de ferro, 2ª edição, José Konfino Editor, Rio de Janeiro, 1952.
2 Finamour, Jurema Yari – China sem muralhas, Editora Prado, Rio de Janeiro, s.d.

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