O auditório do Sindijustiça, no centro do Rio de Janeiro, foi palco no último 23 de janeiro, de um ato público, convocado pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos, contra a criminalização da pobreza e das lutas populares. Várias entidades e movimentos democráticos que, assim como o Cebraspo, lutam aguerridamente pelo direito do povo lutar pelos seus direitos, deram sua contribuição. (Artigo publicado em A Nova Democracia 62, fevereiro 2010)
Alípio de Freitas, um dos fundadores das Ligas Camponesas, prestou emocionante depoimento
Dentre os movimentos e organizações presentes estavam a IAPL (Associação Internacional de Advogados do Povo), o IDDH (Instituto de Defesa dos Direitos Humanos), o ICC (Instituto Carioca de Criminologia), a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência, a Liga Operária, a Liga dos Camponeses Pobres, o Núcleo de Advogados do Povo, o Movimento Feminino Popular, o Movimento Estudantil Popular Revolucionário, a Associação Nacional de Anistiados Políticos Aposentados e Pensionistas. Além dessas organizações, participaram estudantes, trabalhadores e vários outros setores democráticos como lideranças populares do como Morro do Estado (Niterói), Chapéu Mangueira e Cantagalo (Copacabana) também estiveram presentes para dar seus depoimentos e manifestar sua indignação frente ao crescente processo de criminalização e extermínio da pobreza, característico deste apodrecido Estado brasileiro.
À frente, dois velhos combatentes que lutaram contra o gerenciamento militar, enfrentando torturas, prisões e outras agressões, mas que, até os dias hoje, mantém-se firmes na luta.
— Antes de tudo, eu gostaria de prestar uma homenagem aos companheiros que tombaram durante a ditadura, construindo a guerrilha do Araguaia e a guerrilha urbana, da qual eu participei. Foram tantas pessoas extraordinárias que foram mortas. Mas o que mais me decepciona são alguns dos sobreviventes que, vergonhosamente, capitularam e, hoje, estão comandando o Estado e atacando o povo. — disse o ex-militante da VAR-Palmares Hélio Silva, que abriu o ato, exigindo punição para os torturadores e demais criminosos que atacaram cruelmente a organização do povo durante o regime militar-fascista.
Enquanto falava, Hélio era observado de perto por José Maria de Oliveira, outro incansável combatente comunista que lutou com armas, unhas e dentes contra a exploração do homem pelo homem desde o regime fascista de Vargas. Hoje, com 84 anos, mantém inalterados os seus princípios revolucionários.
— É um imperativo da minha consciência que eu não me cale frente as covardias dos oficiais das forças armadas brasileiras que tive que presenciar nas prisões e nas câmaras de torturas pelas quais passei. Ninguém que não esteve preso na época é capaz de saber até que ponto vai crueldade do ser humano. Oficiais do exército chegavam ao ponto de dar gargalhadas histéricas durante a tortura. Eles tinham prazer em nos torturar. Não consigo compreender como essas criaturas conseguiam olhar nos olhos dos seus filhos — denunciou José Maria.
Após os emocionantes depoimentos desses dois quadros da velha guarda revolucionária de nosso país, Rafael Borges, representante do ICC — Instituto Carioca de Criminologia — apresentou estatísticas contundentes sobre a violência policial no Rio que desmascaram os gerenciamentos assassinos de Cabral e Luiz Inácio e mostram a escalada fascista empreendida pelo velho Estado.
Gerson Lima, dirigente da Liga Operária condenou o saque promovido pelo imperialismo no país e as torturas e assassinatos cometidos pelos gerenciamentos de turno a seu serviço.
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Ato contou com a participação de várias entidades democráticas
Maurício Campos, da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência ressaltou a importância do estreitamento dos elos entre as organizações de luta em defesa dos direitos do povo.
— Hoje, o termo ‘criminalização da pobreza’ soa fraco diante do quadro de repressão e matança diária de pobres. O que vemos são índices de guerras de extermínio. O Estado promove uma guerra preventiva contra o povo pobre, com o intuito de anular as possibilidades de organização e rebelião populares. — afirmou.
A moradora do morro do Cantagalo, Deize Silva de Carvalho, em sua fala lembrou seu filho Andreu Luís da Silva Carvalho, torturado até a morte por seis agentes do Degase (Departamento Geral de Ações Sócio-educativas), no interior do CTR — Centro de Triagem.
— Após a morte dele, eu fui chamada ao gabinete da Benedita para uma audiência, onde quiseram calar minha boca oferecendo emprego para a minha filha. Um absurdo. Mas eu não vou desistir de lutar. Eu disse pra Benedita avisar o Sérgio Cabral que o meu maior medo já passou, que era perder meu filho, agora eu não tenho mais medo de nada. O promotor do caso da morte do meu filho disse que os 11 depoimentos de jovens relatando sua tortura e morte não valiam nada diante do que disseram os agentes que assassinaram o Andreu, que a palavra de um menor infrator não tinha valor. Que justiça é essa? — pergunta a incansável lutadora.
O cartunista Carlos Latuff, autor de importantes denúncias através de seus desenhos — também deu seu depoimento, relatando as perseguições que já sofreu por conta de sua arte e sua memória dos companheiros mortos pelo latifúndio.
— Eu estive com o Sabiá [Élcio Machado, dirigente da LCP de Rondônia] , conversei com ele e, dois meses depois, vejo o companheiro morto, com vários sinais de tortura. O caso só ganhou visibilidade depois que divulgamos o desenho que fiz, mostrando dois corpos estirados no chão, algemados. O Estado ficou muito incomodado com o desenho e a imprensa de Rondônia omitiu o fato e só se pronunciou após a divulgação do desenho, mesmo assim, somente para atacá-lo — disse Latuff, seguido pela fala de Rosa Souza, do Movimento Feminino Popular, que em sua fala denunciou a criminalização do aborto.
— Centenas de mulheres estão sendo processadas no Mato Grosso do Sul por cometerem o ‘crime’ de exercerem o direito sobre seu próprio corpo. Milhares de filhas do povo morrem em decorrência de abortos realizados em salas clandestinas, sob as piores condições de higiene, enquanto as mulheres burguesas realizam o aborto em clínicas particulares — ressaltou.
Em seu depoimento, o vice-presidente da Associação Internacional dos Advogados do Povo, Júlio Moreira, exigiu a interdição do presídio Urso Branco — visitado pela missão da IAPL em dezembro de 2008 — e também lembrou os camponeses mortos pelo latifúndio em Rondônia no mês de dezembro.
— Um dos camponeses executados em dezembro, o Gilson Gonçalves, durante a visita da IAPL à Rondônia em 2008, fez denúncias graves contra o latifundiário Dílson Cadalto. Mas morreu lutando pela verdadeira justiça, a justiça para o povo. Isso tudo acontece porque essas leis não servem ao povo. Não vão haver mudanças sociais por intermédio das leis burguesas — afirmou o advogado do povo.
Daniel Bezerra, do IDDH — Instituto de Defesa dos Direitos Humanos — disse que não existe guerra no Rio, e sim extermínio e que suas motivações são as mesmas dos ataques aos camponeses no norte do país.
Em seguida, o advogado do povo Felipe Nicolau defendeu a necessidade de uma organização de advogados para apoiar a luta do povo pobre.
Hélio Silva, sentado, ex-militante da VAR-Palmares, dá início ao Ato
— Temos defendido a causa do povo no campo e na cidade, mas principalmente o movimento camponês combativo, que é atacado pelo latifúndio, em especial na região Amazônica — pontua.
Nilo Hallak, membro da Comissão Nacional da Liga dos Camponeses Pobres, atacou a política de contra-insurgência deste Estado.
— Essa política de criminalização tem caráter contra insurgente, pretende eliminar os lutadores do povo. Criminalizam para tentar taxar os lutadores do povo de bandidos. Reparem bem que a reação parou de falar em ‘guerrilha’, parou de falar em ‘luta armada’, passou a chamar os companheiros da LCP de bandidos. Ao contrário do que aconteceu no ano passado, fizeram um grande esforço para criminalizar a luta. Foi dito que o latifúndio tem pistoleiro e a Liga também tem pistoleiro, e por isso morre dos 2 lados. Isso é mentira!
Por último, outro velho e valoroso quadro da resistência contra o regime militar, um dos fundadores das Ligas Camponesas ao lado de Francisco Julião, pediu a palavra. Alípio de Freitas, também conhecido como ‘padre’ Alípio, compareceu ao ato atendendo ao convite de seus velhos camaradas de luta e prestou emocionante depoimento.
— É claro que esta situação que aí está se deve a este Estado, que é um Estado burguês, e ainda mais, um Estado burguês-latifundiário. Ninguém criminaliza as associações de industriais. Mas se criminaliza os sindicatos e organizações de trabalhadores. Ninguém criminaliza as associações de latifundiários que perseguem, assassinam e matam os líderes e organizadores dos trabalhadores do campo. Os que esperam que as mudanças venham do Congresso, estão enganados, é uma grande mentira. No Congresso está assentada toda a mentira. Como farão reformas aqueles que estiveram ao lado da ditadura, seus apaniguados, aqueles que concertaram com a ditadura? Eu fiquei felicíssimo porque pensei que por um tempo as Ligas Camponesas tinham acabado. Estou vendo que agora em muitos lugares está surgindo a Liga dos Camponeses Pobres. Essas lutas são hoje mais duras. E o pior de tudo é que não enfrentamos um governo claramente repressor. Eles se dizem progressistas, dizem-se de esquerda, matam como matavam o governo de direita, torturam como torturavam a ditadura, as polícias são as mesmas.