Dr. Hakan Karakus*
Gostaria de trazer os cumprimentos de todos os patriotas, de todas as pessoas progressistas e de todos do meu escritório e de meu país. Sinto-me muito gratificado e feliz de estar em um país onde a luta de classes se encontra tão forte e permanente. Vocês sabem, a Turquia é um país que está sendo ocupado na Ásia e que também está resistindo a essa ocupação, um país que têm algumas características parecidas com o Brasil.
Somos vizinhos do Iraque ocupado. Para isso, a Turquia teve um papel muito importante também. A necessidade de fundação da Associação Internacional dos Advogados do Povo surgiu mais ou menos em 1997, pelo menos foi o ano que na arena internacional surgiu a necessidade de se discutir essa questão e, para isso, surgiu, em 1998, uma convocação. Em 1999 houve o primeiro encontro preparatório para a fundação da Associação. Somente depois, no ano 2000, é que foi fundada a associação. O segundo congresso — do qual participaram advogados brasileiros amigos — foi realizado em 2003, em Istambul, na Turquia. Em todo o mundo atualmente há atuação da Associação na organização de eventos e campanhas. Uma das mais importantes atividades nos últimos meses foi a missão de investigação enviada à Índia para investigar as violações de direitos em Bangladesh. Os advogados que cumpriram essa missão encontraram bastante resistência do governo da Índia. O governo tentou impedir suas atividades e foram presos. Os advogados vinham do Canadá, da Bélgica, do USA, da Turquia, das Filipinas e, na maioria, são membros do IAPL. Eles estiveram no interior do país, onde a guerra popular acontece, por isso foi uma experiência muito importante e boa para eles, conhecer essa área e conviver com essas pessoas e suas vidas.
Antes de formarmos a nossa Associação, nos reunimos com esses advogados de grandes associações que têm um papel importante. Fomos à Inglaterra, ao USA — onde existe a Associação Internacional dos Advogados Democratas — e lá nos foi perguntado o porquê de mais uma associação, se já existem tantas pelo mundo. Eu respondi que a lei, o direito, a justiça e a democracia devem estar ligadas à luta de classes e que nós não acreditávamos que aquela associação estivesse questionando ou pontuando essa questão. Muitas dessas associações internacionais ficam dentro de um arcabouço, uma estrutura, e apenas seguem as regras estipuladas pela classe dominante dos países de origem. Eles não questionam ou se perguntam o porquê disso e nem formam uma força radical contra isso. Eles nunca saem dos limites estipulados pelo Estado e não há, nesses países, possibilidade nenhuma de mudança. Uma vez mais, por essas razões, o sistema continua o mesmo. Países como o USA só realizam mudanças quando essas atendem a seus interesses, fazendo as coisas mudarem para pior.
Rebelar-se é justo
Se você não questiona o direito de propriedade, não sabe como alcançar esses direitos, tudo vira uma fantasia. Por exemplo, se você dá o direito, permite alguém fazer uma viagem aérea, para um trabalhador que não possui condições de comprar uma passagem aérea, isso não fará a menor diferença. Então, não é mais conveniente defender apenas o direito à vida, mas o direito a uma vida digna. Isso sim, deveria ser colocado nas constituições. Não basta apenas colocar direitos individuais e direitos sociais, deveriam ser colocados os direitos do povo. Primeiramente a igualdade e os direitos do povo. O direito de se rebelar, o direito de determinar o seu próprio destino, o da autodeterminação.
Hoje, o fato de nos revoltarmos, de não concordamos com as regras estabelecidas e lutarmos contra a opressão, a tortura e a exploração, tem sido considerado terrorismo. Claro, não são consideradas as ações terroristas, por exemplo, os bombardeios despejados sobre as comunidades civis, voltados contra pessoas inocentes. Mas nós sabemos muito bem quem ataca o povo e por que razão fazem isso, também que são crias do próprio imperialismo os que agem assim e que o imperialismo usa as mais diversas organizações terroristas para atacar as lutas justas, as que corretamente se colocam em prol da democracia popular, da independência e da autodeterminação dos povos. E, dessa forma, quero explicar o objetivo geral da IAPL.
Em 1990, depois da queda do social imperialismo russo, sob a liderança do imperialismo do USA, os ataques começaram a crescer. Então, ao nível internacional a necessidade de cooperação mútua e de unidade voltou a ser discutida; nos unimos e podemos ver tudo claramente depois do 11 de setembro no USA.
Em nosso tempo
A luta de classes tem se intensificado em nosso tempo e a responsabilidade dos Advogados do Povo — parte ativa desta luta, de acordo com sua missão institucional — tem se tornado maior e mais importante, porque algumas das medidas adotadas contra os ataques intensos realizados pelos imperialistas, liderados pelo USA, situam-se no campo do direito.
A jurisprudência reflete não apenas os atos presentes das potências, mas também seus objetivos para o futuro, já que isto não é apenas o espelho do que fazem, mas também um meio utilizado para a obtenção desses objetivos. A legitimação de certas ações, a imposição de sua vontade e a institucionalização desta imposição requerem, tanto na forma jurídica quanto sob o ponto de vista operacional, uma estrutura legislativa. Assim, a jurisprudência, enquanto meio de expressão, adquire uma função de ocultamento, dissimulação.
O reflexo sobre os direitos e direitos dos resultados e ganhos de todas as espécies de movimentos e transformações, relacionados à luta de classes, constitui atos ligados ao campo da jurisprudência. É por isto que a luta legal — parte e parcela da luta pela democracia popular, pela independência e pelo socialismo — tem de ser interpretada desta forma, realizada de maneira que mantenha em perspectiva pontos interrelacionados como a salvaguarda de ganhos obtidos até o presente, a aplicação e o desenvolvimento dos direitos e liberdades adquiridos e a aquisição de outros.
Vivemos um tempo em que um professor americano de Direito da Harvard, Alan Dershowitz, e um famoso cientista político britânico, John Gray, (17 de fevereiro de 2003) propuseram a legalização da tortura. E um professor americano de Direitos Humanos, Michael Ignatieff, da Harvard, tornou-se um dos mais ferozes proponentes de se resolver problemas com bombas. Por outro lado, o ministro israelense, Avigdor Lieberman, propôs o estrangulamento dos prisioneiros palestinos (em julho de 2003) e o ministro italiano, Umberto Bossi, sugeriu que se bombardeassem todos os navios que carregassem estrangeiros ilegais (16 de junho de 2003). Hoje, testemunhamos uma onda de ataques envolvendo ocupações militares, intervenções e guerras, ataques contra o trabalho, contra os direitos e liberdades fundamentais, também contra o bem-estar econômico das massas. Tenta-se escravizar e massacrar populações que perfazem a grande maioria do mundo. Os resultados obtidos pela resistência a esta situação, não obstante os problemas ligados à liderança e organização, produziram mais ataques por parte dos cruéis círculos imperialistas, intensificando a luta de classes.
Os inimigos da humanidade não hesitam em chamar seus ataques aos povos como “uma guerra infinita” e “sem fronteiras”. “Terroristas” é o nome que dão àqueles que se opõem ao seu sistema de exploração e resistem às atuais políticas de transformar o mundo em um inferno. Estão desenvolvendo estratégias para a destruição de todas as classes e círculos que eles próprios incluem nesta categoria, e direcionando o impulso das estratégias contra os movimentos de libertação social e nacional. As medidas tomadas com respeito ao Afeganistão e ao Iraque são essenciais quando consideradas junto com a importância econômica e política da área na qual estão localizados. Já que os círculos imperialistas sabem muito bem que a ameaça a seus poderes está na dinâmica revolucionária, implementam sua campanha de ataques com táticas desenvolvidas nessa base.
Devido às condições nas quais a violência, de muitas formas, tornou-se a única rota de ação, uma escolha entre os lados, impõem-se a todos os países — um processo através do qual o dia do ajuste de contas está sendo gestado — que já começou. George W. Bush disse repetidas vezes: “Na guerra ao terror ninguém pode ficar neutro. Ou se está conosco ou contra nós”. Ele disse isto no discurso da Assembléia Geral da ONU, em 23 de setembro de 2003, e repetiu inúmeras vezes.
Em uma situação assim polarizada, as partes referidas dão um passo decisivo e jogam um papel ativo. Os ganhos adquiridos ou as perdas incorridas em tais momentos são sempre grandes em escopo em comparação aos de outras fases.
A inquisição global
Os Advogados do Povo deverão se investir do enorme papel que é o de desvendar a verdade nas atuais circunstâncias em que a lei tornou-se um ponto importante de luta, e as matérias referentes à jurisprudência estão sendo calorosamente discutidas no contexto dos direitos e liberdades. O sucesso em levar a cabo tal papel vai acelerar o processo de denuncias da verdadeira natureza dos agressores imperialistas, fascistas. Servirá também para elevar a consciência das massas sobre a legitimidade e a justeza dos movimentos populares de resistência. Irá ajudar a alargar e reforçar a frente de luta.
A defesa dos movimentos e dos líderes dos movimentos da classe trabalhadora e oprimida, que estão sob a mira dos imperialistas, é uma outra tarefa que está se apresentando. Deve-se estabelecer um conjunto de medidas para defender esses líderes que os contra-revolucionários estão monitorando. Esses líderes estão sendo demonizados como “terroristas”, conspurcados com mentiras, calúnias e submetidos a ameaças de danos físicos. Devemos denunciar a demagogia atrás do uso da palavra terrorista e revelar quem são os verdadeiros terroristas.
A luta antiimperialista se manifesta nas ações contra as guerras injustas, as agressões e ocupações; todos os esforços deverão estar concentrados neste campo. O objetivo deverá ser o de alargar a frente o mais possível, recrutando todas as forças progressistas. Os Advogados do Povo deverão se tornar atores ativos e efetivos neste processo, tanto nacional quanto internacionalmente, através de suas organizações.
O mecanismo da sentença extra-judicial de todos aqueles que não concordam com as classes dominantes, daqueles que não cooperam com elas e dos que se opõem a elas deverá parar de funcionar. Os que procuram realizar tais sentenças extra-judiciais deverão ser denunciados e condenados pela opinião mundial. Os Advogados do Povo deverão assumir o papel de liderar tal coisa.
Apesar de seu enorme exército — com tecnologia ultra-sofisticada, seus mísseis, aviões, tanques de guerra, artilharia e potencial humano —, os invasores não conseguiram impor sua vontade ao povo do Iraque, que nem mesmo tem um exército regular. As forças de ocupação estão em pânico e não sabem o que fazer em face da crescente resistência que se redobra a cada dia. Elas pagarão uma vez mais o preço de seu esquecimento da verdade — tão claramente evidenciada no Vietnã — de que a mais efetiva das armas é, em todos os tempos e circunstâncias, a força das massas. Um arco de resistência, da Palestina ao Iraque, não será facilmente destruído. É exatamente neste ponto que nossa luta se torna cada vez mais importante. Para evitar sua retirada, os imperialistas terão que aumentar sua violência, o que não é suficiente para fazê-los vitoriosos. Por outro lado, sua expulsão do Iraque, tão logo quanto possível, é importante para minimizar o sofrimento do povo iraquiano.
Pessoas cruéis, exploradores, perseguidores e toda espécie de gente violenta estão, entusiasticamente, participando da campanha imperialista de agressão. Os reacionários e fascistas de todos os países estão tentando tirar o máximo de vantagem da situação. A luta entre a ocupação e a resistência está sendo deflagrada não apenas no Iraque, Afeganistão e Palestina, mas em todas as partes do mundo.
O imperialismo usa o direito para defender os seus interesses. O termo direito, lei, é um termo político. Em resumo, a classe dominante usa esses termos para defender os seus interesses contra os interesses das outras pessoas. O advogado diz: “Eu sou advogado, eu trabalho com a lei, não tenho nada a ver com a política, ela não me diz respeito”. Mas, a partir do momento em que diz isso, ele já está adotando uma atitude política. No mundo todo, mesmo quando há alguma diferença entre as constituições, no sistema de lei, os juízes trabalham sempre da mesma forma. Em toda parte do mundo há um juiz, há um promotor e há um advogado; isso é geral, é planetário. É como se houvesse em toda a parte uma peça e as pessoas ficassem esperando a chegada do advogado cumprindo o seu papel da forma como é indicada. Na verdade, esse papel representado nos tribunais, também está ligado à luta de classes e reflete em cada um de nós. Se nos dispormos a conhecer melhor o que significa a classe e a sociedade, entenderemos o nosso papel na luta de classes.
A mesma opressão
O desenvolvimento e desdobramento dos fatos na Turquia, hoje, estão bastante “quentes”. Somos muito parecidos com vocês, e se vocês se perguntam por que, é que a força que nos oprime é a mesma, o USA, e outras forças imperialistas também. Pude observar no Rio, durante a minha viagem, que todas as fábricas estrangeiras no Brasil também existem na Turquia. Quando fui à Índia, seis meses atrás, vi a mesma coisa. D e uma forma muito clara, o imperialismo em todo o mundo tenta circundar, ficar em todas as partes do país.
Há um mês e meio, Bush e Blair convocaram 46 presidentes de países para ir à Turquia, a uma reunião esperada por eles para comemorar a chamada vitória no Iraque, e também discutir como ir além de Bagdá. Tiveram muitos sonhos e expectativas até chegarem à Turquia. Um mês antes dessa reunião, que aconteceu numa cidade tão grande quanto o Rio (Istambul, 20 milhões de habitantes), o governo tentou esvaziar uma mobilização contrária a essa reunião da OTAN — todo o país tem 75 milhões de habitantes. Por causa dessa preparação, aumentaram a quantidade de policiais e militares para fazer a segurança dos visitantes, dos mandatários dos países que estavam lá.
Mas apesar de tudo, houve várias manifestações de protesto contra a reunião. Uma dessas, reuniu progressistas e patriotas que organizaram um comício na cidade, considerada uma manifestação ilegal. Houve tumultos e confrontos com a polícia durante todo o dia. Bush fazia o seu discurso histórico em Istambul, e mencionou essas manifestações contrárias com o rosto cheio de medo. Bush pensou que, após a ocupação do Afeganistão e Iraque, ele iria dominar outras regiões anexas para conquistar a hegemonia mundial facilmente. Na verdade, também achou que o exército de Saddam não impediria a entrada e a dominação do país. Mas há outra coisa que o imperialismo nunca aprende: uma das maiores armas do mundo é o povo. Isso que está sendo feito agora aconteceu no Vietnã, há anos, na Coréia, no Camboja e em outros países. Então, o que podemos ver atualmente é que o povo iraquiano está conseguindo segurar a invasão ianque que perde o controle no Iraque. O imperialismo está perdendo lá.
Existe uma resistência bastante séria no Iraque, que nada tem a ver com Saddam Hussein. Não podemos dizer também que este tipo de resistência esteja na mão dos revolucionários ou comunistas. É uma resistência independente e do povo, o que é muito importante. Esse é o ponto principal que está dando força e poder ao povo no mundo hoje.
O imperialismo ianque — que diz nunca perder, ser o mais forte e que nunca vai ser derrotado — quando se confronta com a resistência iraquiana, e o apoio a essa resistência ao redor do mundo, passa a ter elevadas perdas por lá. Isso nos faz imaginar: se essa resistência estivesse nas mãos de uma liderança certa, haveria muito mais conquistas até agora.
O público pergunta
—Quais as respostas do povo em relação ao chamamento da Associação? Qual a atitude da Associação frente à decisão do governo da Turquia de apoiar a invasão do Iraque?
No ano 2000, quando a organização foi formada, voltamos para a Turquia. Um dos maiores massacres da história da Turquia foi perpetrado contra os presos políticos turcos. Tivemos que tomar posição frente às prisões, aos hospitais e também que trabalhar com os prisioneiros políticos que faziam greve de fome, alguns até à morte. Não tivemos tempo então de ver a reação do governo quanto à criação da Associação, uma vez que esse período durou 3 anos. Mesmo os processos que tínhamos antes foram deixados de lado, pois estávamos muito preocupados e envolvidos com a luta dos prisioneiros políticos; não tínhamos tempo nem de voltar para casa. Nesse período, cerca de 120 pessoas foram assassinadas nas prisões e 500 mutiladas. Nas celas do tipo F, celas terríveis, existem mais de 7 mil prisioneiros.
Hoje a própria criação da Associação é muito bem aceita no meio dos juristas internacionais, no meio dos advogados. Estes representantes, na Turquia, são chamados Acilim.Há muitos advogados com os quais podemos trabalhar na Turquia sobre esses assuntos e também estudantes e professores de direito que participam de nossas atividades, envolvidos com os objetivos da Associação. O 2º congresso que aconteceu em Istambul, em novembro de 2003, foi capaz de alargar e aumentar o prestígio da Associação, que passou a ter um papel muito importante; não só lá, mas em outros países.
Desde a criação do Estado turco, principalmente após a 2ª Guerra Mundial, ele foi sempre dependente do imperialismo, principalmente do imperialismo ianque. Acontece até hoje: a economia, os militares, posso dizer, todo o exército, está sobre controle do imperialismo ianque na Turquia, e a economia também, principalmente. Foi assim, então, que a Turquia reagiu diante da ocupação do Iraque e do Afeganistão. Por causa do movimento antiimperialista na Turquia, o governo não está se sentindo muito confortável quanto às suas políticas. No dia 1º de março de 2003, por exemplo, tinha de haver decisão no governo aprovando uma resolução para enviar tropas ao Iraque, o que não aconteceu. Isso foi considerado pelo governo turco apenas como um acidente. O USA ficou muito zangado porque a lei não foi aprovada. Por fim, a Turquia não enviou tropas ao Iraque mas deu total apoio à ocupação. Pela primeira vez na Turquia, cerca de 120 organizações se juntaram e tomaram uma posição contra a guerra do Iraque. A IAPL participou desse grupo de organizações.
—E como é a Turquia nesse quadro?
A Turquia é um país de uma história muito antiga. Antes da formação da República Turca, existiram 750 anos de império Otomano. A Grécia também fazia parte dele. Muitos povos daquela época estavam na mão dos turcos, parte da África, do Oriente Médio e da Europa. O Irã não está incluído neste império. Por essa razão no Oriente Médio, na Europa e em várias partes da Ásia eles não gostam dos turcos que são rotulados de bárbaros. 90% da população turca é de mulçumanos, a maioria absoluta. A Turquia tem 75 milhões de habitantes e caberia 10 vezes dentro do Brasil. São cerca de 35 milhões de turcos, 20 milhões de curdos e 20 milhões de diferentes nacionalidades. Desde a formação do Estado turco, ele tem um caráter fascista. País semi-colonial e semi-feudal, aonde ainda não se concluiu uma revolução democrática e os problemas do campo sequer foram resolvidos.
Pensando no mundo todo, para os prisioneiros políticos um dos piores lugares do mundo é a Turquia. Há, claro, mulheres entre os prisioneiros políticos e o tratamento em relação a elas também é um horror. Alguns prisioneiros têm melhores condições simplesmente por não estarem nas celas tipo F, as mais terríveis.
Se o Estado desobedecer os “direitos humanos” não há como intervirmos contra isso através de um mecanismo. O que se tem feito são campanhas diferentes a respeito, como por exemplo, da violação dos direitos, como em um estado da Índia, Andra Pradesh, onde há muitas violações de direitos. Realizamos uma missão de investigação dessas violações e enviamos um relatório, através do que constatamos lá, à ONU, à Anistia Internacional e outras organizações. Tentamos também exercer pressão contra o Estado e, em relação a isso, a IAPL pode fazer alguma intervenção e ajudar o povo de lá, com essas denúncias.
—O islamismo não se contrapõe ao imperialismo?
Há um provérbio na Turquia que diz o seguinte: “O dinheiro não tem religião”. Respondi à sua pergunta?!
—Quais os fundamentos do direito internacional? O que se entende por “Paz americana”?
Esse é um assunto muito vasto. Resumindo, o direito internacional é apresentado em bases técnicas. Há um entendimento de que não existe uma constituição de direito. Não há uma constituição mundial; a lei é desenvolvida em cada país de forma diferente. Por exemplo, o Brasil, a Turquia, em termos de direitos: existem juízes, polícia, advogados e quando se viola leis, a polícia virá e tomará medidas para levar a pessoa até um tribunal. Mas no âmbito internacional não é exatamente assim. Através da história, sempre houve uma vontade de se criar essa constituição internacional. Nesse caso, no mundo existem duas peças de prática ligadas ao direito internacional: uma após a I Guerra Mundial, outra ligada às Nações Unidas, formada após a II Guerra Mundial. Após a I Guerra Mundial, o sistema criado dizia respeito à Europa. Mesmo assim, foi quebrado por Hitler.
Stálin, na União Soviética, explicava indagando: “Por que criaram a ONU com o imperialismo?”. Os que a criaram não amavam nem visavam a paz, não tinham o intuito de implementar a paz. A carta das Nações Unidas é muito pequena, e inicia-se com: “Para segurança e paz no mundo, nenhum país tem o direito de atacar ou interferir na política e na economia um dos outros”. Gostaria que prestassem atenção no ponto que dizem que eles não podem ameaçar uns aos outros. Uma parte da carta diz até que poderá ser usada uma arma contra um país sob determinados critérios, como no caso de se defender de alguma agressão. Apesar das palavras elegantes, como se elas realmente valessem algo, o próprio imperialismo, sua característica geral, está sempre tentando repartir o mundo entre si. Não consegue se conter; tem necessidade de agredir antes de se entender com os outros países. A partir da invasão da Coréia até os dias de hoje, essas são as características do imperialismo, enquanto que as Nações Unidas estão na mão do imperialismo e por ele é manipulada.
A Paz americana é um modelo que prega o direito de ocupar sossegadamente os países e dispor como quiser dos prisioneiros políticos. Um termo que não é recente. Na América Latina, conhecemos muito bem o vento dessa Paz americana.
Até agora, Bush não esteve no Afeganistão. No Iraque ele esteve muito cedo, escondido como se fosse um ladrão. Na Turquia, ele só foi capaz de entrar porque levou milhares de seguranças. Saddam conseguiu um buraco para se esconder, mas Bush e seus comparsas não irão encontrar lugar para se esconder.
Gostaria de enfatizar que o aumento das violações dos direitos está ligado ao desenvolvimento das lutas de classes. Quando ela cresce, o Estado aumenta os seus ataques e as violações dos direitos.
Ontem, quando ouvia as pessoas que têm a mesma profissão que eu, notei que vivemos sob circunstâncias diferentes, mas sobre a prática do advogado poderia ter muita coisa a dizer um para o outro. Nós vamos encontrar essa prática enfrentando a própria luta de classes em nossos países. Essa entidade internacional já nos diz o que está acontecendo nos diversos países. Eu não escolhi exatamente, de forma especial, este país. O que vale para todos os países e todas circunstâncias é que temos de nos organizar, não nos colocarmos apenas como núcleo interno. Eu gostaria de terminar minha intervenção com uma sentença de Robespierre, que foi um dos líderes da Revolução Francesa, uma espécie de filosofia para nós: “Se alguém disser que não devemos nos levantar contra a opressão e a exploração, esse deve ser um estúpido”.
* Trechos da palestra proferida nos dias 14 e 15 de agosto de 2004, durante o Primeiro Seminário do Núcleo dos Advogados do Povo NAP — de Belo Horizonte, Minas Gerais — pelo advogado do povo turco Dr. Hakan Karakus, então presidente da Associação Internacional dos Advogados do Povo IAPL.