É desnecessário falar da gigantesca e problemática crise habitacional em nosso País, e, particularmente, nos grandes centros urbanos.
O Centro do Rio de Janeiro, por exemplo, parece uma cidade fantasma, em relação ao movimento de antes da Pandemia.
Há uma proliferação galopante de imóveis fechado, vazios.
Paradoxalmente, nessa mesma região da Cidade, aumenta de forma vertiginosa a população em situação de rua. É doloroso ver a massa de famílias inteiras ao desalijo, entregues à própria sorte, num número sempre crescente.
Ao lado dessa realidade, ou, junto com ela, temos um sem número de ocupações populares coletivas espalhadas pela Cidade, incluindo o Centro e a Zona Sul, ocupando prédios públicos e particulares abandonados, sem qualquer função social para a propriedade.
E, no meio dessa Pandemia capitalista, multiplicam-se os despejos, imissões e reintegrações de posse de imóveis ocupados por essas hostes de Seres Humanos sem teto, sem qualquer complacência dos poderes constituídos, aí incluído o Poder Judiciário, que através de suas decisões tecnicistas, tecnocráticas, e, confirmando o seu caráter de classe, se mostra completamente submisso aos interesses da classe proprietária, a qual também pertencem seus membros, em geral, respeitadas as exceções, que só confirmam a regra.
No Estado do Rio de Janeiro, entrou em vigor a Lei Estadual nº 9.029/2020, que veda os despejos enquanto durar a pandemia, e que é objeto de Representação de Inconstitucionalidade, junto ao Órgão Especial do TJRJ, por iniciativa da AMAERJ – Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, onde, em decisão monocrática, foram suspensos os efeitos da referida Lei.
A esse respeito, em sede de Reclamação, manifestou-se o Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, que, em decisão monocrática, suspendeu os efeitos da referida decisão do TJRJ e restabeleceu os efeitos da Lei questionada em exame de constitucionalidade.
Essa decisão, ainda vigente, vem sendo desrespeitada e desconhecida pelo Judiciário fluminense, a mais das vezes, por conta de argumentos diversos, dentre eles, o de que a referida Lei somente valeria para os despejos e reintegrações propostos durante a pandemia, e não para os processos anteriores, o que é de um total contrassenso, além de atitude desumana, sem dó nem piedade, o que também não é surpresa, pois, o Judiciário, por uma questão de classe.
Importante ressaltar que além de descumprir a Legislação Estadual, essas decisões judiciais contraria a Recomendação nº 90, de 02 de março de 21, do CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, que recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).
As razões teleológicas ou finalísticas do legislador foram motivadas pelo risco de contágio e disseminação do novo Coronavírus, em diligências que envolvem uma verdadeira operação de diversos entes públicos, incluindo, os oficiais de justiça, e os alvos dessas desocupações, num momento em que estão extremamente restritos os atos processuais presenciais.
Afora o dano social, Humano e sanitário causados, em pleno auge da Pandemia, colocando mais pessoas em situação de rua.
Por outro lado, a Lei deve consagrar também os casos das ações propostas antes da Pandemia, pois a Lei retroage para beneficiar, principalmente, as partes mais vulneráveis, como no caso dos ocupantes, a maioria, trabalhadores informais.
O povo em luta e os movimentos sociais têm que se organizar, se manifestar, e conclamar a comunidade jurídica e os cidadãos a defenderem a suspensão dos despejos durante a Pandemia, e o Judiciário a lançar um outro olhar sobre esse grave problema, com um pouco mais de empatia, de compaixão, com o nosso povo sofrido.
Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta