GABRIEL SALES PIMENTA, PRESENTE NA LUTA!

Neste dia 18 de julho de 2024 completam-se 42 anos do covarde assassinato de Gabriel Sales Pimenta, patrono da Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta. Sua morte, contudo, ao invés de limitar a expressão de seu trabalho, apenas inspirou a revolta e a convicção dos lutadores do povo e seus defensores, de que somente a luta consciente é capaz de transformar a realidade em que vivemos.

Gabriel foi o terceiro entre sete filhos em uma família trabalhadora, atenciosa e extremamente combativa, exemplo seguido e defendido na maturidade, durante todo o seu combate ao regime militar fascista instaurado em 1964. Enquanto combatentes eram perseguidos, torturados e desaparecidos, Gabriel tinha o apoio de sua família para organizar atividades estudantis, políticas e culturais em sua própria casa, como a reunião para organização do III ENE (Encontro Nacional de Estudantes), que preparou o Congresso de Reconstrução da UNE, realizado em 1979.

Gabriel cursou e se formou em Direito na UFJF, aos 24 anos de idade, e logo foi aprovado em concurso do Banco do Brasil. Entretanto, trabalhou por apenas um ano na vaga pleiteada em Brasília, pois o ambiente, frequentado por amigos do regime, deputados e senadores, mostrava-se cada dia mais incompatível com a ânsia de Gabriel por lutar e defender os direitos do povo, aviltados em todo o país. Após pedir demissão, em 1979, direcionou-se para a região que percebia ser um dos focos de maior acirramento da luta dos camponeses pobres e sem-terra contra o latifúndio, a cidade de Conceição do Araguaia – PA.

Sua decisão é uma das grandes demonstrações de seu compromisso em lutar pelos interesses do povo, e dedicar-se inteiramente para a sua libertação das amarras da exploração. Inicialmente, foi contratado para advogar para a CPT, em Conceição do Araguaia, um dos centros de maior efervescência política no país, com o crescente rechaço ao regime militar fascista.

Desde sua chegada, trabalhou arduamente pela conscientização dos trabalhadores e camponeses, defendendo sempre a importância de denunciar a atuação dos latifundiários grileiros e a pistolagem no local, assim como de assumir o direito à terra para quem nela vive e trabalha como um norte inegociável. Sua combatividade, inclusive, chegou muitas vezes em colocá-lo em conflito com direções conciliadoras de movimentos na região.

Entretanto, conseguindo articular com diversas organizações e movimentos na região, Gabriel foi capaz de levantar uma crescente mobilização popular, de camponeses que se organizavam e tomavam como referência a luta e combatividade do advogado.

Um ano depois, teve o seu trabalho requisitado em Marabá – PA, onde o número de casos de pistolagem, violência policial e camponeses assassinados era cada vez maior. Apesar de demitido da CPT, Gabriel seguiu em seu compromisso de advogar para o povo, e seu amplo reconhecimento levou a diversas famílias da região de “Pau Seco” o procurarem para defendê-los das ameaças e agressões de grileiros, que moviam uma reintegração de posse ilegal contra os camponeses. Gabriel formulou um Mandado de Segurança vitorioso, que demonstrou brilhantemente que as famílias viviam em terras públicas federais e ocupavam o território há gerações, informações que os grileiros tentaram camuflar no ajuizamento de sua reintegração. A decisão conquistada, que suspendeu a reintegração, foi uma das primeiras decisões judiciais no Pará em favor dos posseiros.

A repercussão do caso despertou a sanha do latifúndio em articular o assassinato de Gabriel, que era alvo também do regime militar. Ele era, à época, um dos quadros dirigentes do Comitê Regional do Pará do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8), e não só acreditava como defendia e trabalhava incansavelmente pelo desenvolvimento da Revolução Brasileira.

No dia 18 de julho de 1982, ao final da convenção municipal do então MDB de Marabá (na época do bipartidarismo, onde, além do MDB, só havia a Arena), ao sair à rua, Gabriel Pimenta, aos 27 anos, foi covardemente assassinado com três tiros de revólver, covardemente pelas costas, disparados a curta distância pelo pistoleiro José Crescêncio de Oliveira, contratado pelo chefe de pistolagem José Pereira Nóbrega, o Marinheiro, sócio de Manoel Cardoso Neto, o Nelito este, irmão do ex-governador de Minas Gerais, Newton Cardoso). Ambos os sócios eram conhecidos grileiros na região, envolvidos em diversos atentados, assassinatos e crimes contra o povo, além do voraz acúmulo de terras para expandir seu império de extração de madeira.

As investigações do caso, apesar de levantarem todas as provas necessárias para a condenação dos algozes de Gabriel, ocorreram de maneira intencionalmente lenta, assim como a condução do caso na justiça. O inquérito foi iniciado no dia seguinte, e concluído em 50 dias, em 08/09/1982, com a identificação de todos os envolvidos, executores e mandantes. A sentença de pronúncia, que levou o caso a júri popular, foi prolatada em 31/01/2000, 18 anos após o assassinato!

Esse atraso, por sua vez, não foi em decorrência da tradicional morosidade do judiciário quando demandado pelo povo, mas, sim, de uma planejada e intencional articulação de seus agentes – por exemplo, um dos cartórios era dirigido pelo sogro de um dos réus – comprometidos em garantir a impunidade daqueles que representam o latifúndio e seus interesses, em promíscua relação com o Estado. Audiências desmarcadas e postergadas, com ausências injustificadas dos réus, sem qualquer tipo de constrangimento. Em 08/05/2006, o Tribunal de Justiça do Pará declarou a prescrição da pretensão punitiva e extinção da punibilidade, encerrando o teatro promovido para camuflar a impunidade concedida aos algozes do povo.

Os efeitos da luta de Gabriel, entretanto, persistirão mais que qualquer resquício desse crime covarde. Seja pela sentença favorável que conseguiu em seu último caso, julgada pouco após a sua morte, que reconheceu a propriedade da terra às famílias para as quais advogou e vencendo o latifúndio apenas com o seu legado; seja nas milhares de homenagens realizadas pelos camponeses, agradecidos por sua luta consciente e consequente, Gabriel vive e viverá na luta pela terra e na luta pelo direito do povo lutar pelos seus direitos.

Em 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a responsabilidade do Estado Brasileiro na violação do direito à verdade e o de acesso à justiça, artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em razão da negligência nas investigações de seu assassinato, e descumprimento das garantias processuais, como o prazo razoável para o deslinde do caso, devido à demora excessiva, que resultou na impunidade dos assassinos e mandantes. Foi reconhecido pela Corte que a prescrição ocorrida era nula, pois, comprovadamente fabricada, como expresso no laudo pericial produzido durante a instrução do processo. A ação foi promovida em esforço conjunto de diversas entidades democráticas, como Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (CEBRASPO), Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (ABRAPO), entre outras, diversas delas tendo se habilitado no processo como amicus curiae.

Ao Estado Brasileiro, foram determinadas, como forma de reparação, a criação de um mecanismo capaz de reabrir processos judiciais de responsabilização dos perpetradores, além da reparação integral aos familiares e medidas de não repetição, como a elaboração de um sistema nacional de coleta de dados relacionados à violência contra defensores de direitos humanos, bem como a elaboração de protocolos de proteção e defesa destes. Foi determinada a instalação de um memorial, na Cidade de Juiz de Fora – MG e um estudo sobre as raízes econômicas, sociais e políticas que, historicamente, se encontram na estrutura agrária do Brasil, baseada no latifúndio e no minifúndio.  

Apesar de não haver qualquer tipo de expectativa de cumprimento pelo Velho Estado das medidas exigidas após sua condenação, ou da capacidade das mesmas oferecerem condições de não repetição, a ABRAPO reconhece a importância dessa sentença, tida como uma verdadeira vitória, pois, eleva ao cenário internacional a denúncia da perseguição histórica do latifúndio, acobertada pelo velho Estado, aos camponeses em luta pela terra no Brasil, assim como aos advogados do povo. Do mesmo modo, destaca o papel dessa mesma advocacia, ao valoroso exemplo de Gabriel Pimenta, na dedicação fervorosa em defender os direitos dos lutadores do povo no campo, e assim contribuir com a luta. Contudo, sabe-se que a verdadeira justiça por Gabriel Pimenta só será feita com a proteção à atuação dos advogados do povo, o fortalecimento da luta camponesa e a derrocada do arcaico latifúndio, que oprime nosso povo e atrasa o desenvolvimento do país.

VIVA GABRIEL PIMENTA!

VIVA A LUTA CAMPONESA!

VIVA A LUTA DOS ADVOGADOS DO POVO!

GABRIEL PIMENTA PRESENTE NA LUTA!

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS ADVOGADOS DO POVO GABRIEL PIMENTA – ABRAPO

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