Nota pública sobre a situação dos brasileiros-palestinos presos em Israel

A Associação Brasileira de Advogados do Povo – ABRAPO, no cumprimento de seu objetivo estatutário de defesa dos direitos humanos e dos povos, vem a público dar publicidade à nota do Ministério das Relações Exteriores (MRE), contestar ponto a ponto seu conteúdo e cobrar novos esclarecimentos e providências sobre a situação dos cidadãos brasileiros-palestinos atualmente presos em Israel.


1. Agradecimento institucional

Em primeiro lugar, a ABRAPO registra seu agradecimento à Coordenação de Assistência Jurídica Internacional (CAJI/DPU) e ao Gabinete da Defensoria Nacional de Direitos Humanos (DNDH/DPU), que desempenharam papel fundamental ao viabilizar o contato com o MRE, uma vez que por outros canais a sociedade civil não vinha recebendo respostas.


2. Contestação ponto a ponto à resposta do MRE

a) Sobre a existência de representações em Tel Aviv e Ramalá
O MRE informa que ambos os postos acompanham “com prioridade” a situação dos presos. Todavia, a mera presença diplomática não assegura efetividade da assistência.

  • A Convenção de Viena sobre Relações Consulares (1963, art. 36) obriga o Estado a garantir comunicação e visitas consulares. Israel está descumprindo essa obrigação.
  • O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (OHCHR, 2024) já denunciou a negativa sistemática de acesso consular a presos palestinos.

b) Sobre o “apoio cabível e gestões junto a Israel”
O MRE limita-se a informar que presta orientação jurídica e realiza gestões diplomáticas. Isso é insuficiente.

  • O dever do Estado é de ação enérgica, inclusive por meio de notas de repúdio, relatórios públicos e denúncias em organismos internacionais.
  • O Comitê de Direitos Humanos da ONU (Comentário Geral n. 31) reforça que os Estados têm responsabilidade positiva de proteger seus nacionais também fora de seu território.
  • A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011, art. 23, II) não pode ser utilizada para ocultar informações de interesse público em matéria de direitos humanos.

c) Sobre a alegação israelense de “situação de guerra”
O MRE repete a justificativa de Israel, segundo a qual a situação de guerra afastaria a obrigação de cumprir tratados. Contestamos essa posição.

  • Mesmo em conflitos armados, a III e IV Convenções de Genebra (1949) e o Protocolo I (1977) obrigam a proteção de prisioneiros e o direito de comunicação.
  • O assassinato do adolescente brasileiro-palestino Walid Khalid Abdalla Ahmad (17 anos) viola diretamente o art. 13 da III Convenção de Genebra, que protege prisioneiros de guerra contra atentados à vida.
  • O governo brasileiro, em manifestações públicas, não reconhece o que ocorre como “guerra”, mas como massacre contra o povo palestino.
  • O Conselho de Segurança da ONU (Resolução 2712/2023) já demandou cessar-fogo e respeito ao direito internacional, invalidando a tese de que Israel possa invocar “guerra” para justificar violações.

d) Sobre a visita de condolências ao caso de Walid
O MRE afirma que seu representante em Ramalá visitou a família para prestar condolências.

  • A ABRAPO considera o gesto humano, mas insuficiente. O dever do Estado é de proteger a vida de seus cidadãos e exigir responsabilização internacional pelo assassinato.
  • A UNICEF já condenou sistematicamente a morte e prisão de crianças palestinas por Israel, exigindo responsabilização internacional (relatórios 2023-2024).

e) Sobre o uso da LGPD e da LAI como justificativa de sigilo
O MRE alega que os casos são protegidos pela LGPD e pela LAI. Contestamos frontalmente.

  • A LGPD (Lei 13.709/2018) protege dados pessoais sensíveis, mas não pode ser usada para ocultar informações de interesse público sobre violações de direitos humanos.
  • O STJ (REsp 1.349.363/SE) já decidiu que o interesse público se sobrepõe ao sigilo individual.
  • A própria LAI (Lei 12.527/2011, art. 23, II) prevê que informações sobre violações de direitos humanos não podem ser restringidas.
  • A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil (2010), condenou o Brasil justamente por negar informações de interesse público sob a alegação de sigilo.

f) Sobre a alegação de “permanecer à disposição”
O MRE finaliza afirmando que sua Divisão de Assistência Consular “permanece à disposição”.

  • Permanecer disponível não é suficiente. O dever é de agir proativamente na defesa dos cidadãos.
  • O próprio Itamaraty já adotou posições mais firmes em outros casos (Síria, Nicarágua, Venezuela). Não é admissível que haja omissão diante da morte de um adolescente brasileiro e da prisão de outros nacionais sem garantias jurídicas mínimas.

3. Prisões arbitrárias e falta de informações

A ABRAPO ressalta que não existem informações claras sobre como e por que os brasileiros-palestinos foram presos. Relatos familiares e de organismos de direitos humanos indicam que prisões arbitrárias e sem justificativa formal já ocorriam antes da escalada de bombardeios em Gaza, em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia.

O uso da detenção administrativa, denunciada pela ONU, pela Anistia Internacional e pela UNICEF, demonstra uma política de violações sistemáticas ao devido processo legal. O MRE, ao omitir essas informações, presta um desserviço à transparência e ao direito da sociedade de conhecer a verdade.


4. Cobranças da ABRAPO ao Estado brasileiro

Diante do exposto, a ABRAPO exige que o Ministério das Relações Exteriores:

  1. Publique relatórios periódicos sobre a situação dos brasileiros-palestinos detidos, com informações verificáveis.
  2. Garanta acesso consular imediato e irrestrito a todos os presos brasileiros em Israel.
  3. Denuncie formalmente em instâncias internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU e a Corte Internacional de Justiça, as violações de direitos contra cidadãos nacionais.
  4. Mantenha posição firme contra o apartheid israelense, em consonância com resoluções da ONU e com a Constituição Federal, que orienta a defesa da paz e da autodeterminação dos povos (art. 4º).

5. Conclusão

A ABRAPO reafirma seu compromisso em defender os direitos do povo palestino-brasileiro e em denunciar as omissões do Estado brasileiro diante de violações de direitos humanos. O silêncio e a falta de transparência não podem ser admitidos quando vidas e liberdades de cidadãos nacionais estão em risco.


6 . A nota do MRE
“2. Preliminarmente, esclareço que o Brasil possui representações tanto em Israel (Embaixada do Brasil em Tel Aviv) quanto na Palestina (Escritório de Representação em Ramalá). Ambos os postos acompanham, com especial atenção, a situação dos cidadãos brasileiros detidos em prisões israelenses, sendo essa uma prioridade no campo da assistência consular.

3. Todo o apoio cabível tem sido prestado aos familiares dos brasileiros-palestinos presos, sendo disponibilizado, inclusive, serviço gratuito de orientação jurídica. Adicionalmente, a Embaixada do Brasil em Tel Aviv vem realizando intensas gestões junto às autoridades de Israel para obter esclarecimentos quanto à situação processual dos nacionais e garantir que sejam observados os direitos à ampla defesa, à visitação e ao contato com advogados e com o setor consular do posto, conforme previsto no art. 36 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Israel, no entanto, alega situação de guerra para não cumprir as obrigações previstas na Convenção.

4. Em relação ao caso do menor brasileiro Walid Khalid Abdalla Ahmad, cumpre ressaltar que, em 24 de março de 2025, o próprio Representante do Brasil junto ao Estado da Palestina, João Marcelo Queiroz Soares, ao ser comunicado pela família do óbito, fez visita

pessoal à casa de Walid, para prestar condolências e oferecer toda a assistência consular cabível. Desde então, o posto segue acompanhando todos os desdobramentos do caso.

5. Deve-se ter em vista, contudo, que casos

individuais de assistência consular são protegidos por sigilo, em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e com a Lei de Acesso à

Informação (LAI), que garantem a confidencialidade dos dados pessoais. Ademais, o art. 23, inciso II, da LAI também prevê a proteção de informações relacionadas a negociações em curso com governos estrangeiros.

6. A Divisão de Comunidades Brasileiras e Assistência Consular permanece à disposição para eventuais esclarecimentos que se façam necessários.

Atenciosamente,

Bruno Pereira Albuquerque de Abreu

Chefe da Divisão de Comunidades Brasileiras e

Assistência Consular”

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