Romeo T. Capulong
Membro do Comitê preparatório da IAPL, Presidente e Conselheiro do Centro de Direito Público(PILC); Membro do Comitê de Direitos Humanos do Tribunal Integrado das Filipinas e Membro da Organização de Advogados Unidos pela Verdade e pela Renúncia de Estrada (OUSTER).
Foi um tempo de despertar. Foi uma época de se morrer por um outro regime. Foi um momento de grande esperança para um povo indignado, o ponto sem retorno de um governante isolado. Foi o florescimento do movimento popular, centenas de bandeiras e bandeirolas, milhares de cores. Foi o inverno da desesperança para o regime cambaleante de marionetes que enfrentava seus últimos dias.
O advogado em tempo de revolta é aquele que caminha para a liberdade, um trabalhador do futuro que está sendo criado pelas massas com suas próprias mãos.
Amigos, irmãos de profissão, colegas de luta: eu estou com vocês em espírito mesmo nos dias mais difíceis do espetáculo de encerramento do governo Estrada, corrupto, ladrão e ávaro. A administração de Estrada está no seu colapso final e o movimento popular está prestes a completar a grande unidade para expulsar seu governo. No meio do povo estão os advogados e espero que entendam e tomem conhecimento de meu grande desejo de participar e da grande necessidade de ficar ao lado do povo neste momento de grandes mudanças.
Esta foi a primeira vez que um presidente filipino sofreu o impeachment, está sendo acusado pela legislatura e agora julgado. Pela primeira vez também os advogados do povo estão entre os advogados dos promotores públicos envolvidos no julgamento do impeachment. Enquanto as noites viram dias e os dias em momentos, enquanto preparamos tal julgamento, fomos capazes de organizar, fora do Congresso, uma enorme associação tática de advogados que exigiu a renúncia de Estrada e um novo governo que realmente representasse os interesses populares.
Esta associação de advogados tinha conexão com o movimento popular e clamava pela mudança de regime. Foi o crescimento rápido desta organização composta de advogados de tribunais, advogados corporativos, advogados da União, advogados trabalhistas, advogados progressistas, juizes, professores e professores de escolas de Direito, e estudantes de direito que exigiu a renúncia de Estrada, e ela já se expandiu para mais de duzentos advogados.
Nós a chamamos de Organização dos Advogados Unidos pela Verdade e pela Renúncia de Estrada – OUSTER. Os advogados da OUSTER foram além de iniciar processos, fazer lobby no Congresso e assinar petições; nós marchamos pelas ruas, ombro a ombro com as massas e outras forças patrióticas, permanecemos de plantão durante a noite, prontos para defender as pessoas da prisão e detenção, levantamos nossos punhos e gritamos nosso ódio ao regime.
Permitam-me falar sobre o movimento massivo de marchas e protestos que está acontecendo em meu país neste momento porque, primeiro: é uma fonte de lições valiosas para aqueles interessados em estudar a queda de um regime fascista através do exercício das ações coletivas do povo; e segundo: nesta luta específica, de forma única, os advogados do povo estão crucialmente envolvidos no movimento massivo para expulsar Estrada de dentro e de fora do Congresso.
Por causa de nosso sistema político seria muita ingenuidade acreditar que o processo de impeachment por si próprio possa ser um remédio eficaz ou opção para que o povo filipino expulse um presidente de seu gabinete, não importando quais crimes tenha cometido e de como tenha se tornado incapacitado para governar a nação. Eu disse por si próprio porque esta maneira de expulsar um presidente será efetiva somente se for apoiada por ações de massa fortes e sustentáveis como marchas de protestos e comícios, greves gerais, piquetes, passeatas, boicotes, greves de transporte, welgang bayan ( greves populares) e desobediência civil. Nosso ponto de vista é que o julgamento do impeachment e a convocação exigindo a saída de Estrada se reforçam mutuamente.
Não foi pura coincidência que as forças políticas numa grande aliança tática clamando pela saída de Estrada estão representadas como reclamantes no processo de impedimento. Os líderes do movimento anti-Estrada e os advogados dos reclamantes e os membros do Congresso que endossaram inicialmente o impedimento concordam com isto e tácita ou categoricamente aceitaram a validade da posição de que a saída de Estrada do gabinete pelo impeachment é uma mera ilusão sem que haja um forte movimento popular atrás.
Logo depois que outras forças políticas da sociedade filipina se juntaram ao povo, que há muito tempo está nas ruas exigindo a renúncia de Estrada, o Estado começou a condicionar as mentes do público de que o processo de impedimento seria a única solução para a atual crise econômica e política. Os propagandistas de Estrada queriam nos fazer acreditar que as ações da massa eram ilegais e que estavam ferindo a economia e deviam parar para o bem do país. A mais desarrazoada mentira; nada poderia ser mais perigoso e falacioso do que esta afirmação para pessoas como nós que estamos tentando expulsar um presidente de seu gabinete, e não importa o quanto isto possa parecer popular ou simpático para a maioria dos advogados e classe média, temos que denunciar tal afirmação feita para iludir o povo e enfraquecer o movimento para a saída de Estrada, dividir nossas fileiras e invocar um desculpa “legal” para oprimir o movimento de massa através da violência estatal.
Meus amigos e colegas, eu tenho devotado grande parte de minha vida profissional e de meus conhecimentos à defesa dos direitos dos setores explorados e oprimidos de nossa sociedade. Minha grande experiência na advocacia de defesa dos direitos humanos me ensinou uma lição importante, que o sistema de justiça em nosso país pende totalmente a favor dos ricos e dos poderosos. Da mesma forma eu aprendi com minha experiência como advogado do povo que as batalhas legais dos pobres podem apenas ser ganhas se tivermos um movimento forte, unido e militante que apoie essas batalhas nos tribunais.
É verdade que os advogados, por causa da natureza de sua profissão, da espécie de escolaridade e educação que o sistema – dominado pela elite – propõe, são uma “casa de contradições ”ou um “corpo de contradições”. E os advogados, sendo em sua maioria membros da classe média, e sendo treinados para trabalhar dentro das regras do sistema legal, são usados, a maior parte do tempo, pelos interesses dominantes da sociedade para preservar o status quo. A advocacia é igual a qualquer outra profissão, os valores, a ética e a abordagem política são moldados pela cultura dominante e pelas condições concretas de nosso tempo. Um número bastante grande de membros da profissão está optando por servir aos interesses da elite, identifica seus interesses com os de seus clientes. São os advogados que tornam possível, por exemplo, a lavagem de dinheiro, a legitimação da corrupção e a justificativa da repressão militar.
Mas há muitos advogados que são capazes de transcender a consciência moldada pela educação colonial e pelos interesses de classe instilados pela natureza de sua profissão. De que forma acontece este despertar é uma história de cada um e provavelmente muito particular de cada advogado. Mas há provavelmente um denominador comum. O despertar ocorre quando o advogado se envolve com causas, casos ou assuntos que afetam um grande número de pessoas. Isto ocorre quando o advogado está exposto à terrível pobreza em que chafurdam seus conterrâneos e à injustiça que prevalece na sociedade. Tudo resulta em nada, no entanto, se não houver esforços em se organizar os advogados, daí a importância em se criar unidade, aliança e organização entre eles.
Neste ponto permitam-me partilhar com vocês o que acredito sejam os princípios básicos que devem guiar os advogados do povo:
1o – Os advogados do povo devem se envolver em casos, causas e assuntos que afetem fundamentalmente as vidas de um grande número de pessoas, um setor da sociedade ou toda ela.
2o – Devemos estar conscientes de que os fatos surgem dos conflitos de direitos ou interesses e da exploração e da opressão dos numerosos pobres pelo pequeno setor dos privilegiados e/ou pelo programa ou política governamentais.
3o – Diferente do advogado tradicional, o advogado do povo enxerga e manipula o fato e o caso legais no grande contexto da natureza e dos problemas da sociedade.
4o – Tendo aceito a responsabilidade profissional de trabalhar o caso, imbuído de interesse público, o advogado do povo inicia e dá assistência a um processo no qual a batalha legal e matéria são utilizados para organizar e aumentar o nível de consciência social, unidade e militância do povo e daqueles que apoiam sua causa.
5o – A batalha legal do advogado do povo não fica confinada às salas dos tribunais. Deverá empregar formas criativas de ação coletiva, de mobilização e de utilização das forças do povo, de sua unidade e de sua militância, trazer os assuntos a público incitando apoio para a causa de seu cliente.
E finalmente, ao trabalhar o caso, o advogado do povo interage com os clientes de uma forma benéfica mútua para apreender e aprofundar seu comprometimento com a luta dos clientes e para o melhoramento e melhor capacitação de suas vidas. O relacionamento se alarga e passa de meramente profissional para uma unidade de entendimento dos problemas da sociedade, dos objetivos comuns para reformas substanciais e melhor atuação nas lutas populares.
Enquanto advogados do povo dentro de um meio dominantemente reacionário alguns acham que suas opções são necessariamente restritas, que os serviços, habilidades, treinamento e experiência que oferecemos ao povo contribuindo para sua luta por uma mudança são inúteis e que nossos esforços são auto-destrutivos e até frustrantes. Mas quando nos recusamos a parar de usar nossa profissão e nossa advocacia para empurrar os parâmetros legais do sistema anti-povo, nós continuamos a jogar um papel único na luta de nosso povo ajudando-o em seus esforços de produzir mudanças fundamentais e conseguir uma sociedade verdadeiramente justa, democrática e livre. No processo não apenas aprendemos como trabalhar com o sistema opressivo e explorador usando suas próprias regras, e, sim, a expô-lo e ganhar uma aprendizagem e instrumentos eficazes que podem ser usados na formação e desenvolvimento de um sistema popular legal alternativo.
A advocacia do povo sempre será imperativa enquanto a grande maioria do povo permanecer pobre e sem poder e enquanto seus interesses e sua luta para melhorar suas vidas encontrarem oposição na classe dominante e nos governos que esta pequena, mas poderosa elite controla.
Neste momento de nossa história quando as violações de direitos humanos estão se agravando de várias formas devido à intensificação da exploração e da opressão de nosso povo, o estabelecimento de um grupo internacional de advogados progressistas chega em bom tempo.
Uma das primeiras coisas que temos que fazer é organizar todos os advogados do povo. Para isto devemos mobilizar e estimular os advogados na luta pelos direitos humanos. E também devemos desenvolver a legitimidade, a aceitabilidade e a valorização da advocacia para o povo perante a corte de justiça, perante os juizes e perante o público.
Vimos de países onde várias formas de luta pela libertação, auto-determinação, justiça social e direitos humanos existem. Estamos conscientes de que as leis existentes e as convenções sobre direitos humanos não respondem às demandas populares e são inadequadas e até ilusórias na proteção dos direitos do povo e até renegam os conflitos sociais. E pior ainda, temos que lidar com diferentes leis que reduzem os direitos do povo. Nós não perdemos de vista o fato de que os interesses dominantes em nossos países ditam os conceitos de direito e de justiça. Sabemos que as forças de exploração impedem a conquista de uma justiça real para o povo.
O IAPL tem portanto uma oportunidade improcedente de desafiar as noções convencionais de direitos humanos e redefini-las através da prática da advocacia. Podemos usar a oportunidade de promover um conceito real e verdadeiro de direitos humanos a partir da perspectiva dos trabalhadores e dos camponeses, dos pobres e das massas. Devemos insistir na promoção e capacitação dos direitos humanos individuais e coletivos nas esferas civil, política, social, econômica e cultural, salientando o fato de que isto só será realmente conseguido no contexto da total libertação da pobreza, injustiça e opressão. Devemos continuar a atuar como advogados partisans para a defesa da causa e direitos do povo e a contribuir para com suas lutas democráticas. Devemos ao mesmo tempo nos relacionar e integrar com o movimento de massa.
Não há uma fórmula passo-a-passo a ser seguida para romper os grilhões que nos impõem os exploradores e opressores, mas a história mundial nos tem mostrado que quando o povo se une em grandes proporções, mostrando sua raiva e lutando contra seus opressores, é porque o começo do fim está chegando e os muros começam a cair.
A maior contribuição de um povo e de uma nação para a luta internacional contra a exploração e opressão é a de quebrar seus próprios grilhões e libertar-se do jugo da globalização.
O histórico Congresso de Fundação da Associação Internacional dos Advogados do Povo é uma reunião de advogados de todo o mundo que desejam libertar seu povo e suas respectivas nações das garras do imperialismo e fazer disto uma luta mundial. Isto é a realização de nosso desejo mútuo desde que nos reunimos um ano atrás para nos organizarmos e colocarmos nossos conhecimentos, experiência e capacidade a serviço do povo. Também é um tributo a nossos irmãos de profissão em diferentes partes do mundo que alardeiam a causa dos direitos humanos, correndo sérios riscos, assim como àqueles que se tornaram mártires por causa de sua suprema dedicação a seu dever enquanto advogados do povo.
Meus colegas e eu na Filipinas nos unimos a vocês todos hoje em solidariedade e ação.
Amigos: convido-os a fortalecer, hoje, nossa unidade e resolução, neste momento de grande despertar. Estamos constatando o florescimento dos movimentos populares contra os regimes opressivos e corruptos instigados pelos mestres imperialistas.
Viva a organização dos advogados do povo contra o imperialismo !