Familiares, amigos e organizações democráticas exigem apuração imediata!
A ABRAPO – Associação Brasileira dos Advogados do Povo esteve presente acompanhando os acontecimentos do dia 02 e 03 de fevereiro de 2023 na cidade de São Francisco, envolvendo a morte por afogamento do jovem camponês Raimundo Adalton Mendes Rodrigues de 34 anos, natural de São Francisco, Norte de Minas e se manifesta publicamente exigindo apuração e esclarecimentos sobre os fatos.
Após afogamento suspeito no dia 02, pois Dalton, como era conhecido, não sabia nadar, ele ficou desaparecido por 24 horas, sendo encontrado por populares no dia seguinte no mesmo lugar do Rio, onde foi visto se debatendo e gritando pedindo socorro no dia anterior, fato comprovado por vídeos que revelam que outras pessoas estavam no barco.
A família foi comunicada e compareceu na delegacia para buscar informações sobre a ocorrência, tendo recebido da unidade policial os objetos pessoais da vítima, como carteira, chinelo, roupas e outros, encontrados na margem do Rio no Cais, uma mochila não foi encontrada.
São Francisco, cidade histórica com mais de 60 mil habitantes
NÃO possui unidade do corpo de bombeiros e PM impede buscas
Fomos informados que a notícia do afogamento se espalhou pela cidade na mesma hora, mas que as buscas somente se iniciaram no final da tarde do dia 02, já quase escurecendo, por volta de 50 minutos, por uma unidade socorrista do corpo de bombeiros, deslocada da cidade de Montes Claros à 163,2 km de São Francisco, porque absurdamente NÃO EXISTE UNIDADE DOS BOMBEIROS na cidade de São Francisco, assim como na maioria dos municípios ribeirinhos do Norte de Minas.
No entanto, desde a notícia do afogamento que se deu no horário de almoço do dia 02, os pescadores profissionais, com larga experiência em situações deste tipo, nascidos na região, mergulhadores de ofício, se dispuseram a procurar o jovem e foram impedidos de participar das buscas pela PM de São Francisco. Ou seja, enquanto as autoridades impediam as buscas decorreram 3 horas até a chegada do corpo de bombeiros e após escurecer, as buscas foram suspensas, de acordo com o protocolo oficial, claro, em se tratando de gente pobre, pois se fosse algum político ou empresário rico ou latifundiário, as coisas seriam bem diferentes e todos os malditos “protocolos” que só valem para o povo, seriam violados em nome dos direito$ do cidadão. Gente pobre só é cidadão na hora de votar.
Isso resultou que, somente 24 horas após a ocorrência, o corpo pôde ser encontrado após boiar por processo natural e ser visto no cais por uma criança, populares e familiares que, mesmo sem autorização, participavam das buscas.
Durante a madrugada do dia 02 para dia 03, sofrendo de uma agonia e aflição indescritível, a família da vítima não dormiu e logo pela madrugada se deslocou para a margem do Rio, acompanhada de ativistas de movimentos populares dos quais o jovem Dalton era membro, além de representantes da ABRAPO que estão acompanhando o caso.
No dia 03, vários comunicados de interesse públicos foram feitos na rádio São Francisco FM, a pedido da LCP – Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia, convocando os ribeirinhos e os pescadores para apoiarem nas buscas. Esse apelo foi respondido por centenas de pessoas que se prontificaram e se solidarizaram com a situação.
Corpo é encontrado, mas fica retido no Cais sob sol escaldante por mais 3 horas aguardando a chegada de perito de Januária
24 horas após ser considerado desaparecido, o corpo de Adalton Mendes foi encontrado boiando no entorno do Cais. A família pensou, então, que poderia respirar mais aliviada, pois tendo ocorrido o pior, sua morte tão precoce, poderiam prestar-lhe as últimas homenagem de corpo presente e realizar os rituais religiosos fúnebres, despedir-se com dignidade, segundo a cultura no Brasil: velório e enterro!
No entanto, a burocracia pesou mais uma vez contra o povo e o corpo, após ficar 24 horas na água, 3 horas exposto ao calor, 5 horas viajando indo e voltando à Januária num carro sem câmara fria até a “perícia”, não suportou e o velório foi negado à família.
De nada ou quase nada resultaram os apelos dos familiares e amigos às autoridades presentes no Cais para que tamanha barbaridade não fosse cometida! Apenas repetiam que era a lei. Que lei é essa que vai contra princípios e direitos básicos previstos na Constituição brasileira? Foram violadas o direito religioso, o direito à dignidade humana, o direito a velar e despedir-se de seus mortos, sendo aplicado ao corpo e à família um protocolo de tempos de pandemia: caixão lacrado e sem velório, sem falar na agonia da espera.
Há perguntas que não querem calar: Por que não tem perito na cidade de São Francisco? Quantas famílias têm tido seus direitos violados porque perdem seus mortos para a burocracia ou para funerárias mercenárias? Quantos Adaltons afogados são abandonados à própria sorte? Quantos Adaltons ainda teremos? Por que os peritos são aguardados por horas no local das mortes suspeitas e depois ainda tem que se deslocar com o corpo horas a fio para outra cidade para realização de perícia?
Acidente ou Homicídio?
Após estes episódios ainda resta esclarecer algo fundamental: Adalton foi empurrado do barco? Por que ninguém prestou socorro na hora do acidente?
Alguns vídeos de câmeras de segurança estão circulando e revelam imagens estranhas: na hora dos acontecimentos, Adalton não estava sozinho no barco. Teria mesmo saltado ou sido empurrado? O movimento do corpo parece tentar deter a queda e o esforço que faz logo em seguida é voltar ao barco, no entanto ele afunda por 2 ou 3 vezes e volta à superfície, até afundar definitivamente.
Adalton estava em contato com a família durante todo o tempo e visitou alguns parentes recentemente, demonstrando estar cheio de bons planos para o futuro. Trabalhava em terras arrendadas e irrigadas em outra cidade e não lhe faltava serviço, pois era excelente marceneiro, além de trabalhar com diversos ofícios como operador de máquinas. Deixou 2 filhos, uma menina de 12 e um garoto de 2 anos, pelos quais nutria muito amor, cuidado e atenção.
Era membro da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia, que levantou suspeitas de que a morte poderia ter sido uma perseguição do latifúndio, pois ele apoiou diversas tomadas de terras de fazendas abandonadas em toda a região do Norte de Minas, desde 2017. A organização afirma que não irá descansar até que tudo seja esclarecido. Homenagens foram prestadas em seu funeral.
Exigimos apuração imediata e eficiente sobre a morte de Adalton Mendes!
Exigimos que o MP fiscalize e reveja a política de perícias na cidade de São Francisco e região!
Abaixo o descaso com a vida e a morte do povo pobre no Norte de Minas!
Abaixo a proibição da participação popular nas buscas de desaparecidos!
ABRAPO – Associação Brasileira de Advogados do Povo