NOTA DE REPÚDIO À CONDENAÇÃO DA ADVOGADA DRA. LENIR COELHO

Em 26 de fevereiro deste ano, a Dra. Lenir Correia Coelho, advogada do povo, foi condenada em ação penal movida pelo Ministério Público, sob a acusação de integrar organização criminosa. Na ação penal, que tramita sob o n° 7002329-70.2021.8.22.0023 na Comarca de São Francisco do Guaporé/RO, outras quatro camponeses foram condenadas por participação na suposta organização criminosa; são eles os companheiros Rubens Pereira Braga, Claudecir Ribeiro Silveira, Wemerson Marcos da Silva e Janaine Menegildo Zanella. Especificamente quanto à Dra. Lenir, na sentença condenatória ela é apontada como “uma das principais organizadoras das invasões de terra”.
Tomando como verdadeiras as acusações perpetradas contra a advogada, o Judiciário a condenou pelo crime de participação em organização criminosa; ainda, aplicou agravante pelo suposto exercício de comando da organização, nos termos do artigo 2°, §§ 2º e 3°, da Lei nº 12.850/13.
Os objetivos do processo restam claros: 1) criminalizar a luta popular por direitos, no caso, pelo direito à terra; 2) perseguir a advocacia mais combativa, que luta diariamente para concretizar os direitos constitucionalmente previstos de moradia, trabalho e, inclusive, de reivindicação de direitos.
Quanto à criminalização da luta do povo, veja-se que, uma vez mais, a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) figura como organização criminosa ao ver do Estado defensor dos interesses de latifundiários. Nesse sentido, a gestão petista não surpreende: além de não cumprir suas promessas de reforma agrária, sob o seu governo, a Lei nº 12.850 foi aprovada, após ser remetida ao Congresso Nacional, com pedido de urgência, pela então Presidenta Dilma Rousseff, em 2013.
Referida lei dispõe sobre organizações criminosas e sua origem está relacionada à subscrição pelo Brasil, da Convenção de Palermo, destinada a incentivar os Países a criarem em seus ordenamentos jurídicos instrumentos legais de combate ao crime organizado, principalmente transnacional, a saber, os crimes do colarinho branco, a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas e o de drogas.
Mas, considerando que estamos sob a vigência do capitalismo, no qual o Direito desempenha um importante papel de afirmação e reafirmação das cisões de classe (e gênero, raça, etnia), é preciso questionar quem majoritariamente acaba por ser o verdadeiro alvo das leis penais.
No caso da Lei nº 12.850/2013, desde o início de sua vigência, é de um manifesto desvio de finalidade da lei, contrariando as suas razões finalísticas, teleológicas, ela é aplicada contra manifestantes e movimentos sociais, mantendo-se assim os verdadeiros fundamentos da política criminal brasileira. Trata-se da velha política criminal, que amplifica os poderes do Judiciário e mune o Ministério Público de instrumentos investigatórios ainda mais invasivos, aprofundando o descumprimento dos direitos e garantias fundamentais por parte do Estado policialesco.
Assim, a criminalização da LCP faz parte de um projeto de Estado, cujo objetivo maior é a manutenção do estado de coisas no campo, qual seja, uma concentração das terras, que teve início já na colonização e nunca foi rompida.
Quanto à perseguição à advocacia voltada ao combate das desigualdades sociais no país, aqui na pessoa da Dra. Lenir, veja-se que ao fazê-lo o Estado, a um só tempo, garante mais uma condenação para aqueles que se insurgem contra as injustiças e deixa desamparados aqueles que muitas vezes têm nos advogados do povo a única possibilidade e esperança de ter acesso a direitos.
A Dra. Lenir é conhecida em todo o Brasil, porque se destaca como grande defensora dos direitos sociais dos camponeses em luta. Com uma atuação muito significativa no Estado de Rondônia, a advogada optou por atuar em um campo de batalha jurídico repleto de desafios; basta ver os números referentes a conflitos agrários em Rondônia.
Veja-se que qualificação para isso não lhe falta: a Dra. Lenir tem especialização, mestrado e doutorado em curso em Direito Agrário, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito Agrário da Universidade Federal de Goiás. Atuou, ainda, como pesquisadora na Universidade de Brasília, participou de diversos eventos acadêmicos e escreveu artigos sobre o tema. Além disso, atua há mais de 20 anos na defesa de movimentos sociais camponeses.
Nesse sentido, com um amplo conhecimento da teoria e da prática jurídica no campo, inclusive com projeto voltado à educação jurídica de camponesas, a Dra. Lenir enfrenta um estado de exceção, onde impera o poder econômico e o descumprimento aos direitos do povo é mais evidentes.
Obviamente, a presença e combatividade jurídica da Dra. Lenir acabou por incomodar os interesses hegemônicos na região. Afinal, em quantos processos ela atuou (e atua) contestando a concentração de terras e grilagem de terras públicas na região?
A partir disso, os defensores do povo camponês que luta por seus direitos à terra são colocados como inimigos a serem combatidos. E é nesse contexto que, há muitos anos, a advogada vem sofrendo perseguições, ameaças de morte e tentativas constantes de incriminação, tal como fazem com muitos de seus clientes.
Veja-se que, no mesmo sentido, temos a condenação do Dr. Marino D’Icarahy, do Rio de Janeiro: o advogado está condenado a pagar uma absurda, desarrazoada e desproporcional indenização por danos morais ao juiz do assim conhecido “processo dos 23”, da ordem de cerca de R$ 200 mil.
Ainda, a questão é tão grave que mesmo magistrados são vigiados e punidos caso atuem de forma muito garantista; o juiz Luís Jorge Silva Moreno, com atuação junto ao Tribunal de Justiça do Maranhão foi aposentado compulsoriamente por defender a garantia dos direitos humanos e sociais da população, assim como o Desembargador Siro Darlan, no Rio de Janeiro.
No caso da Dra. Lenir, reputamos como política a sua condenação no processo que concluiu pela sua participação de organização criminosa, ainda mais como liderança do movimento. Repudiamos a ratificação, pelo Judiciário, do caráter criminoso da luta por direitos humanos e sociais constitucionalmente previstos e da naturalização da perseguição àqueles que fazem da defesa dos direitos do povo a sua profissão.
Os advogados e advogadas que defendem os interesses populares, envolvidos com a defesa das lutas pelas garantias democráticas e movimentos sociais, são historicamente perseguidos pelo Estado brasileiro e suas classes dominantes, com uma infindável lista de perseguições e criminalizações.
Solicitamos a todas as pessoas e organizações democráticas, apoiadores da Luta pela Terra, e defensores dos direitos democráticos do povo, em especial do direito de ter defesa jurídica, que denunciem e protestem contra esta condenação.
ABAIXO A CRIMINALIZAÇÃO DAADVOCACIA PARA O POVO!
ABAIXO A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS POPULARES!
Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta – ABRAPO
Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – CEBRASPO