Concentração de terra no Brasil – Atraso nacional e grande desigualdade social

 Intervenção da Associação Brasileira dos Advogados do Povo – ABRAPO na Audiência Pública: “A Jurisdição agrária no Estado de Minas Gerais e os Direitos Humanos; o pioneirismo do Estado, a estrutura e o funcionamento atuais e a visão do Conselho Nacional de Justiça em relação aos conflitos agrários”. Belo Horizonte, 04 de maio de 10

A questão Agrária no Brasil é de importância fundamental para a solução de grandes problemas nacionais. Não é por acaso que a luta pela terra segue crescendo a cada dia. Nos últimos anos tem aumentado enormemente a concentração de terras, assim como a criminalização dos movimentos que lutam pelo sagrado direito de trabalhar e viver com dignidade.

Segundo dados do próprio INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – cerca de 3% do total das propriedades rurais do país são latifúndios, ou seja, tem mais de mil hectares, e ocupam 56,7% das terras agriculturáveis.

A concentração da terra no Brasil tem concorrido para a manutenção e agravamento da crise econômico-social ao constituir-se na base de sustentação do capitalismo burocrático (engendrado no Brasil), contribuindo decisivamente para a manutenção de um colossal exército de reserva, da existência de uma economia camponesa permanentemente arruinada, que serve de abastecimento de alimentos e matérias primas à industria e que têm sido fatores fundamentais para obtenção de elevadas taxas de lucros para a formação do capital financeiro. E hoje, mais do que nunca, como fonte geradora da massa de excluídos e de um enorme lumpesinato.

Lutar pela Terra: Direito Legitimo do Povo!

A situação da vida do povo no campo está a cada dia pior. Milhares de famílias vivem na mais completa miséria, sendo brutalmente exploradas pelo latifúndio. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego demonstram que apenas em 2008 aproximadamente 4.600 trabalhadores foram libertados de condições análogas à escravidão.

Diante deste quadro de opressão e miséria, agravada pela falência da “reforma” agrária do Governo Luis Inácio, milhares de camponeses têm se levantado em tomadas de terras em defesa do direito à terra para trabalhar e produzir. A luta pela terra tem como pano de fundo a busca pela concretização de Direitos fundamentais inalienáveis, como o Direito de viver com dignidade, de receber os frutos da terra mediante os duros trabalhos de lavrar, de semear e colher para a sua manutenção e da sua família.

A pressão popular é própria do Estado Democrático de Direito e a ação de movimento popular visando a implantar a reforma agrária não deve ser concebida como crime, pois configura direito coletivo, expressão da cidadania e visa concretizar princípio constante da Constituição da República. O Poder Judiciário não pode ver contornos criminosos na participação em movimentos que buscam o cumprimento de claros dispositivos constitucionais que o tempo vai relegando ao esquecimento, mas que se constituem no fundamento maior de uma reforma agrária que somente será concretizada pela pressão submetida ao Poder Público quando, como acontece se aliena no cumprimento de normas impositivas outorgadas pela Constituinte de 88, que estabeleceu as regras de conveniência da República brasileira. (Hélio Bicudo, Tribunal Internacional de Crimes Contra o Latifúndio – Pará)

Vara de Conflitos Agrários de Minas Gerais

Não obstante a criação da Vara Agrária pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em 2002, tem-se que, atualmente, se faz necessário um avanço na forma e nos métodos de solução dos conflitos que a ele são direcionados.

Destarte, impende destacar que, desde sua criação, a Vara Agrária, ao invés de evoluir, vem, ao contrário, demonstrando verdadeiro retrocesso. Veja-se, apenas para exemplificar, que hoje não são tomadas medidas fundamentais para o justo solucionamento das lides, tais como designação de audiência de justificação, oitiva do Ministério Público para apresentar parecer, vez que se trata de questão coletiva, vistoria na área objeto do conflito, dentre outras medidas.

O que se vê, em verdade, é que o Ministério Público só é chamado a opinar após deferimento ou não de decisão liminar, assim como apenas após o deferimento/indeferimento de liminar é que se abre oportunidade de audiência de justificação.

Como se não bastasse, as decisões, em sua grande maioria, quando pelo deferimento de liminar de reintegração de posse, se dão sem a análise dos mais comezinhos elementos para a caracterização da posse.

Por outro lado, quando não há decisão do pedido liminar, os camponeses são pressionados a fazer acordo em audiência de conciliação, com o latifúndio, sob o argumento de que a não realização de composição implicará na decisão sobre o pedido liminar, levando os camponeses a se sentirem ameaçados.

Quando da realização do acordo, qualquer fato que implique em sua quebra ou modificação, tem, por conseqüência, o deferimento do pedido liminar.

Ou seja, por todos os ângulos se percebe que não há qualquer compromisso com a presença dos elementos que caracterizam a posse da terra, tal como preconizada pela Constituição da República/88, que exige, necessariamente, que esteja presente a função social e seus consectários, consoante art.186 da Constituição.

Portanto, não restam dúvidas que novos procedimentos devem ser adotados a fim de que se possa alcançar, efetivamente, a justa composição dos litígios envolvendo questões agrárias, tendo-se, sempre como norte, o cumprimento da função social da propriedade/posse e, consequentemente, dos direitos humanos.

O papel do INCRA

O INCRA, órgão governamental criado para promover a reforma agrária no Brasil se omite, deixando de cumprir seu papel, quando oficiado a intervir nos processos de conflitos agrários. Com efeito, acaso houvesse decisão política em efetivar, verdadeiramente, a distribuição de terras neste país, certamente o cenário da reforma agrária seria outro, haja vista que momentos não faltam para um posicionamento mais efetivo deste órgão, dada as inúmeras oportunidades que têm de participar nos diversos processos que tramitam junto a Vara Agrária.

O que se tem, de fato, são compromissos assumidos em audiências e não cumpridos. Por exemplo, promessas de vistorias não concretizadas, o que contribui em muito com o desinteresse do latifundiário em vender a propriedade para o INCRA e, consequentemente, influi negativamente na decisão final dos processos.

Importante ressaltar, ainda, que tal postura vem se mantendo a mesma tanto no governo FHC quanto no governo do Sr. Luiz Inácio, o que só vem a demonstrar uma grande falta de perspectiva e, ao mesmo tempo e na mesma proporção, uma enorme necessidade de mudança.

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