CASO HERNÁNDEZ NORAMBUENA VS. BRASIL

VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: O ESTADO BRASILEIRO NOS BANCOS DOS RÉUS

Link de transmissão da audiência: ​https://www.youtube.com/@CorteIntDH

  • 6 de fevereiro de 2025, às 14h30 (17h30 no horário de Brasília)
  • 7 de fevereiro de 2025 às 9h00 (12h00  no horário de Brasília)

Resolução de convocação  para audiência: https://corteidh.or.cr/docs/asuntos/hernandez_norambuena_18_12_2024_spa.pdf


A Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta – ABRAPO, ao longo dos últimos anos, vem denunciando a situação degradante e medieval do sistema prisional e carcerário no país. 

Entendemos que um dos casos mais gritantes revelador da falácia que é o tão propalado “Estado Democrático de Direito”, é o caso do revolucionário chileno Maurício Norabuena. Por mais de 17 anos ele foi submetido em nosso País a sistemáticas torturas, seja no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), seja no Sistema Penal Federal (SPF), com política de isolamento, sendo restringido seu direito constitucional a visita de advogados e ao convívio familiar; restrição ao banho de sol; ausência de trabalho, estudo, atividades de esporte, cultura e lazer; insuficiência nos serviços de saúde e medicação.

O sistema carcerário brasileiro é conhecido pelo sistemático desrespeito aos direitos humanos. Não por outra razão, em outubro de 2023, no julgamento da ADPF 347, o Supremo Tribunal Federal reconheceu “o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro”. Contudo, mesmo que haja este reconhecimento pelo STF, muitas políticas públicas, diplomas legais e mesmo decisões judiciais em matéria criminal retroalimentam a precariedade das condições de permanência nos presídios brasileiros. Ressalta-se que todo este “estado de coisas inconstitucionais” reconhecido, segue sendo praticado nos presídios Brasileiros!

Se o Estado emerge como o mais destacado violador de direitos humanos, uma das estratégias buscadas pelas vítimas e seus defensores quanto às violações de direitos sofridas dentro do sistema carcerário é o acionamento de instâncias supranacionais, as quais – ainda que com as limitações próprias de uma atuação restrita ao campo jurídico e da defesa de direitos sem contestação do sistema socioeconômico como um todo – possuem normativas próprias sobre o tema, como é o caso do Sistema Interamericano​ de Direitos Humanos.

Nesse sentido, nos dias 6 e 7 de fevereiro de 2025 ocorrerá na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em São José da Costa Rica, audiência pública referente às violações de direitos humanos cometidos pelo Estado brasileiro contra o chileno Mauricio Hernández Norambuena, conhecido como “Comandante Ramiro”.

O Presidente da ABRAPO, o advogado Felipe Nicolau do Carmo, que compõe a equipe que atua em nome de Mauricio Hernández Norambuena e familiares perante CIDH, tem sido enfático ao defender que “este processo tem grande importância para o Mauricio Hernandez que segue preso no Chile”, mas também reafirma que “é um dos mais importantes, porque no caso provável de o Brasil ser condenado pelas violações dos direitos humanos de nosso cliente e pelas consequentes reparações, o Estado do Brasil será forçado a modificar sua legislação a fim de que – As condições desumanas e degradantes que Mauricio vivenciou para outros presos não devem se repetir” 

A denúncia sobre as condições cruéis, desumanas e degradantes de Norambuena nas prisões brasileiras foi formulada por seus familiares à Comissão Interamericana de Direitos Humanos no ano de 2005. A Comissão, por sua vez, entendeu pela existência de fundamentos importantes para condenar o Brasil, o que fez com que o caso chegasse à Corte.

A tramitação na Corte teve início em 30 de novembro de 2022, após o envio do Relatório de Fundo pela CIDH, com solicitação de conclusão e declaração de que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos amparados nos artigos 5.1 e 5.2 (integridade pessoal), 8.1 (direito às garantias judiciais) e 25.1 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 desse instrumento, em prejuízo de Mauricio Hernández Norambuena, havendo recomendado que o Estado brasileiro reparasse integralmente as violações de direitos humanos então perpetradas contra Norambuena.

O RDD foi instituído pela Lei 10.792/03, que promoveu alterações na Lei de Execução Penal (LEP), mas desde 2002 Norambuena esteve sob este regime de prisão, que foi instituído por resolução da administração penitenciária do Estado de São Paulo em 2001. Soma-se a isso o período em que Norambuena esteve sob o SPF, que em muito se assemelha ao RDD e é regulamentado pela Lei 11.671/08.

Ocorre que tanto o RDD quanto o SPF (Sistema Penal Federal) colidem com os direitos e garantias fundamentais dispostos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

Exemplo disso é o fato de que a  legislação nacional estabelece que presos sob o regime diferenciado podem permanecer isolados em celas por pelo menos 22 horas do dia, o que pode se estender por 2 anos no caso do RDD ou ad infinitum no caso do SPF. Isso significa uma abertura para que o regime, ao invés de uma exceção, se constitua como verdadeira regra no cumprimento da pena, a depender do arbítrio estatal.

Veja-se os parâmetros normativos dos dois regimes diferenciados:

Ainda assim, mesmo com a existência de supostas limitações legais pelo menos no RDD, Norambuena passou mais de 17 anos em isolamento, em evidente violação ao que se tem nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), que limitam o confinamento solitário​ a 15 dias.

Veja-se a linha temporal do período de permanência de Norambuena no sistema penitenciário brasileiro:

Ao todo, Norambuena esteve sob regime disciplinar por mais de 17 anos, o que o manteve sob isolamento quase total e com restrição de diversos direitos e garantias fundamentais. Ocorre que o isolamento prolongado e a incomunicabilidade constituem tratamento cruel, desumano, prejudicial à integridade psíquica e moral dos apenados.

Nesse sentido, o relatório médico produzido a pedido da Corte destaca (p. 36, tradução livre):

Nas normas internacionais de Direitos Humanos considera-se que manter uma pessoa em isolamento, como foi mantido o senhor Hernández Norambuena, ou seja, em cela solitária cerca de 22 horas por dia e com acesso a um pátio sem contato direto ou indireto com outros reclusos, constitui uma forma de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Estabelecer a diferença entre tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, em relação à gravidade do dano causado à pessoa, lembrando que os efeitos na saúde da pessoa dependeriam da duração do isolamento, das condições pessoais, da presença de patologias anteriores e aspectos como sua força e condição de apego aos ideais políticos.

Cabe destacar que se reconhece como limite máximo de duração do isolamento para que não se cause efeitos sobre a saúde da pessoa, a cifra de 15 dias, neste sentido se considerarmos que o Sr. Hernández Norambuena desde seu retorno ao Chile leva até o fechamento deste relatório 139 dias de exclusão total das condições de isolamento e que vinha cumprindo em condições semelhantes de isolamento por 17 anos (6205 dias), é dizer, supera o limite estabelecido em matéria de isolamento (15 dias) em 9,2 vezes com relação ao sofrimento no Chile, mas em aproximadamente 413 vezes o experimentado no Brasil.

Além disso, questiona-se junto à Corte a fundamentação para a imposição do regime diferenciado a Norambuena por tanto tempo, mais de 17 anos, e desde o início sob a justificativa de uma periculosidade abstrata,  pautada única e exclusivamente na cautelaridade.

Isso significa que a imposição da medida a Norambuena não guardou relação com quaisquer infrações cometidas durante o cumprimento da pena, ou seja, estava desatrelada da concretude do seu comportamento enquanto apenado. Pelo contrário, a imposição do regime foi fundada apenas no suposto risco que ele representa para a ordem e a segurança da prisão ou da sociedade.

Nesse sentido, veja-se que em uma das decisões judiciais em agravo em execução em Vara de Execuções Penais e Corregedoria dos Presídios de São Paulo, o juiz destacou que os direitos e garantias de Norambuena deveriam se restringir a cumprir a pena:

Na verdade, os direitos e garantias de condenado estrangeiro que aqui veio única e exclusivamente para praticar crime hediondo que sequer reside no País, deveriam se restringir ao cumprimento da pena aplicada e, em sendo de altíssima periculosidade, em estabelecimento adequado (…) Aliás, apenas o fato de ter contra si aquelas duas condenações, a cumprir pena de prisão perpétua, já é o bastante para autorizar seja o sentenciado mantido no presídio onde se encontra.

Em resumo, é preciso destacar a importância do julgamento, tendo em vista todas as problematizações que ele nos permite levantar acerca das violações de direitos humanos no sistema prisional e carcerário brasileiro.

Entendemos que a Lei 10.792/03 (Regime Disciplinar Diferenciado) e a Lei 11.671/08 (Regime Federal), são inconstitucionais e inconvencionais devido à evidente violação de convenções de direitos humanos.

Nesse sentido, nós da ABRAPO, empenhados, dentre outras coisas, na denúncia de ações estatais que retiram ou desrespeitam os direitos dos povos, convidamos todos e todas a acompanhar o caso Hernández​ Norambuena vs. Brasil.

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