MG – Nota de Repúdio as Práticas nas Ações Possessórias

A Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta – ABRAPO, filiada a Associação Internacional dos Advogados do Povo (International Association of People’s Lawyers – IAPL), vem a publico repudiar as decisões proferidas pelo juiz da Vara de Conflitos Agrários Walter Zwicker Esbaille Júnior.

No decorrer do último ano, este Juiz tem determinado o cumprimento de reintegrações de posse em imóveis ocupados há mais de 20 (vinte) anos por camponeses pobres em diversas partes do Estado de Minas Gerais.

O que temos verificado é que as medidas de tentativa de solucionar conflitos têm sido deixadas de lado, mesmo que essas medidas sejam requeridas pela parte autora, como no caso em que acompanhamos da Fazenda Calindó, situada no município de Matias Cardoso. Ocupada há 22 anos por mais de 40 famílias, onde estas transformaram o então, latifúndio improdutivo e abandonado em área produtiva com trabalho duro e árduo, tiram dela o seu sustento e de seus familiares. Antes, fome, miséria e abandono nos últimos 22 anos se tornou produção, alimento e sustento! Cumprindo de fato o preceito constitucional da função social da propriedade. Estas e outras dezenas de famílias em situação semelhante, têm sofrido com as ameaças constantes de despejo e reintegrações, sob tutela da Vara Agrária do Estado de Minas Gerais.

O que a ABRAPO tem constatado é que não existe negociação, nem alternativa. Existem ameaças e tão logo, despejos a qualquer custo, pois, entende o Excelentíssimo juiz que “terra não foi feita pra ser dada a ninguém, mas comprada. E se não tem dinheiro pra comprar, tem que sair mesmo, que vá para a rua”, nas palavras do doutor juiz em audiência de conciliação no dia 06/11/19. Tal postura foi adotada pelo juiz na presença do proprietário do imóvel que tinha a intenção de negociar, do representante da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, da Defensoria Pública de Minas Gerais, do Ministério Público, dos representantes do executivo e legislativo da cidade de Matias Cardoso e do INCRA que ressalta-se, por anos prometeu adquirir a Fazenda Calindó para reforma agrária e não o fez, deixando as inúmeras famílias que lá residem à mercê do tempo.

Para a ABRAPO a luta pela Terra é um direito legítimo previsto na Constituição Federal e são os camponeses pobres que de fato dão a destinação social constitucional a propriedade quando ocupam e transformam área improdutiva em área produtiva.

Porém, verificado que a situação fica ainda mais grave, pois, além de não levar em consideração a destinação social da propriedade, já que as reintegrações de posse têm sido deferidas, sistematicamente, após décadas, ignorando que não se tratam de novas ocupações e sim de velhas ocupações que se transformaram em comunidades, gerando riqueza aos municípios, como no caso da Fazenda Calindó e com o respaldo do estado ao levar infraestrutura fornecida pelo Município, pelo Estado e o Governo Federal.

O interesse público, social e coletivo deve prevalecer nessas áreas, prevalecendo outras medidas jurídicas a serem adotadas diversamente da reintegração de posse, como por exemplo, a conversão da medida reintegratória em perdas e danos, nos termos do artigo 627 do CPC.

Há uma falência do programa de Reforma Agrária neste País e por décadas serviu como forma de enganar o povo pobre, pois na essência serviu apenas para manter as relações atrasadas no campo, através do latifúndio que em nosso País prevalece, aumentando ainda mais os conflitos no campo. Porém, tal fato não pode servir como argumento jurídico para o deferimento de liminar de reintegração de posse contra famílias que dão de fato destinação social e econômica aos latifúndios, antes improdutivos.

Repudiamos ainda, a forma com que as manifestações dos advogados de defesa dos camponeses, da Defensoria Pública e Ministério Público têm sido analisadas pelo juízo da Vara Agraria, pois diante de importantes manifestações contrárias as reintegrações de posse, têm tido tratadas pelo referido juízo como “mais do mesmo”.

A ABRAPO entende que o Poder Judiciário deve agir de modo a promover políticas públicas de acesso a terra e cumprir com os preceitos constitucionais quando não há superação das desigualdades sociais e prevalência dos direitos do Povo. “A pressão popular é própria do Estado Democrático de Direito e a ação de movimento popular visando a implantar a reforma agrária não deve ser concebida como crime, pois configura direito coletivo, expressão da cidadania e visa concretizar princípio constante da Constituição da República. E o Poder Judiciário não pode ver contornos criminosos na participação em movimentos que buscam o cumprimento de claros dispositivos constitucionais que o tempo vai relegando ao esquecimento, mas que se constituem no fundamento maior de uma reforma agrária que somente será concretizada pela pressão submetida ao Poder Público quando, como acontece, se aliena no cumprimento de normas impositivas outorgadas pela Constituinte de 88 que estabeleceu as regras de conveniência da República brasileira”. (Hélio Bicudo, Tribunal Internacional de Crimes Contra o Latifúndio – Pará).

Fica evidenciado que para o Juiz a vida de uma coletividade não passa de “mais do mesmo”. Agindo assim, despreza as medidas que visam à preservação de direitos e garantias fundamentais conferidas às pessoas atingidas por uma reintegração de posse. Não considera nem sequer a Resolução 10/2018 do Conselho Nacional de Direitos Humanos que contém normas específicas para o cumprimento dos mandados de reintegração de posse coletivos, medidas estas destinadas aos agentes e instituições do Estado.

Por fim, vale ressaltar o entendimento do STJ no sentido de que o cumprimento da ordem de reintegração de posse em situações análogas provocaria conflito social coletivo e danos muito mais graves que o prejuízo financeiro do particular que perdeu a posse. Na visão do STJ, é ilegítima a atuação do Poder Judiciário em favor de uma pessoa quando os efeitos danosos se abatem sobre dezenas de outras não restando alternativa senão respeitar a ocupação como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, através da realização da reforma agrária com vistas à erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais.

Para a ABRAPO, a questão agrária brasileira não será resolvida com reintegrações de posse e sim com distribuição de terras (democratização do acesso à terra previsto na Constituição) e ainda, as demarcações de terras indígenas e quilombolas.

Belo Horizonte/2019.

Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta – ABRAPO

International Association of People’s Lawyers – IAPL

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