Rondônia Prepara para Repetir o Massacre de Corumbiara – RO

A Associação Brasileira dos Advogados do Povo – ABRAPO, Subseção Rondônia, diante das “Fake News” publicadas desde o dia 03 de outubro de 2020, exaustivamente repetidas em rede nacional, produzidas a partir do assassinato do Tenente da Reserva José Figueiredo Sobrinho, atribuída aos sem terras do Acampamento Tiago dos Santos, nos cumpre trazer informações colhidas junto aos camponeses e ao devido processo legal.

O Acampamento Tiago dos Santos está localizado nas fazendas NorBrasil e Arco-Iris, em Nova Mutum, Distrito de Porto Velho/RO, faz parte de um grande latifúndio de mais de 57 mil hectares, cujo suposto proprietário seria a empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Martins (Galo Velho).

Essa área teve uma ação de reintegração de posse encerrada em 2017 (autos: 0012311.86.2014.4.01.4100 e 0003261-31.2017.4.01.4100 – 5ª Vara Federal do TRF1), processo devidamente arquivado e que prova que se trata de área de conflitos agrários desde o ano de 2014, cuja origem dominial não foi esclarecida e frente ao histórico do Galo Velho no Estado de Rondônia pode se tratar de área pública grilada.

Galo Velho (Antônio Martins), utilizando de empresas, como a Leme Empreendimentos, tem um histórico de grilagem de terras no Estado de Rondônia, constando na CPI da grilagem como grileiro do Lote São Sebastião, localizado em Porto Velho/RO, num total de 83.221 hectares de terras (fls. 361 do Relatório da CPI destinada a investigar a ocupação de Terras Públicas na Região Amazônica – 2001), entre outras grilagens devidamente comprovadas como as terras da região de Cujubim, onde hoje é o Assentamento Sol Nascente.

Em 23 de julho de 2020, através da Operação da PF: “Operação Amicus Regem cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços de investigados em Porto Velho (RO), Brasília (DF), Cuiabá (MT), São Paulo e Itaituba (PA) em busca de provas e bens de interesse das investigações contra empresários, advogados, servidores públicos e empresas envolvidas na formação de uma organização criminosa (orcrim) que conseguiu lucrar mais de R$ 330 milhões por meio grilagem de terras e fraudes no estado de Rondônia ocorridas entre 2011 e 2015. (…) orcrim seria liderada por Antônio Martins o Galo Velho, auxiliado pelo irmão dele, o advogado Sebastião Martins, pelo sócio Dorival Baggio e por seu filho José Carlos Gouveia Alves (também conhecido por José Carlos Gouveia Martins dos Santos). Além deles, havia a participação do então juiz federal Herculano Martins Nacif, do servidor da Justiça Federal Everton Gomes Teixeira e do perito judicial nomeado Paulo César de Oliveira, os quais praticariam atos para favorecer o grupo de Antônio Martins em processos de desapropriação.” (disponível http://www.folharondoniense.com.br/geral/antonio-martins-o-galovelho-e-um-dos-alvos-da-operacao-da-policia-federal/. Acessado em 12/08/2020). O que reforça o caráter de grilagem de terras públicas com a conivência do Estado que esse senhor vem praticando há anos no Estado.

Isso demonstra que o Galo Velho não é fazendeiro ou proprietário de terras, mas sim, grileiro, organizado em quadrilha com a participação até mesmo de funcionários do Estado. Fato amplamente divulgado, reforçando a relação entre Galo Velho e Estado. As grilagens de terras só são possíveis com apoio do aparato repressor do Estado e parece que essa proteção o Galo Velho tem recebido até então, mesmo com uma operação policial dessa envergadura não foi ainda possível restituir as terras griladas pelo Galo Velho ao patrimônio da União.

A ocupação do imóvel pelas famílias camponesas do Acampamento Tiago dos Santos1 foi realizada em 22 de junho de 2020, num processo de pressionar o INCRA a resolver a situação do imóvel e dar ao mesmo a destinação correta. O imóvel possui uma área de mais de 57 mil hectares, tem mais de 600 famílias no imóvel. Há uma vida social e coletiva estruturada, que compreende espaço de estudo para as crianças, farmácia com atendimento básico, cozinha coletiva, espaço da igreja e organicidade interna para garantir que não entre armas, drogas e bebidas no Acampamento, permitindo a valorização das famílias que realmente querem terra para produzir.

No dia 24/07/2020 protocolamos requerimento no INCRA/SR-17 solicitando acesso e cópia dos processos administrativos das fazendas para verificar a cadeia dominial da mesma e sua origem. Até o presente momento o INCRA não entregou e nem permitiu o acesso, se negando as dar as informações necessárias sobre o imóvel. (Processo administrativo n. 54.300.000774/2013-16).

No dia 03 de outubro de 2020 é assassinado perto do Acampamento Tiago dos Santos o policial da reserva: Tenente da Reserva José Figueiredo Sobrinho, no que passaram a acusar os camponeses (sem terras), sem qualquer prova concreta, de o terem executado. Nessa noite mesmo, o referido Acampamento foi cercado pela PM, que efetuou diversos disparos de arma de fogo contra o acampamento, que resultou em mais um policial assassinado: Sargento Rodrigues da Força Tática do 5º Batalhão da PM. Por fim, os corpos só são retirados no dia 04 de outubro de 2020.

No dia 04 de outubro de 2020, utilizando-se de helicóptero, a PM dispara contra camponeses que estavam perto do Acampamento, inclusive, vindo a atingir a moto de um pai de família que estava com sua esposa e filho no veículo, tendo sofrido somente algumas escoriações. Os camponeses se protegem e o isolamento do Acampamento é feito.

A partir daí começa a saga de horrores promovida pela imprensa comprometida com o Estado e com esse Governo Fascista que não respeita os direitos do povo e nem o processo legal, acusando os camponeses de serem “terroristas”, de promover “invasão” de terras e todas as mazelas que claramente sabemos que o Capitalismo produz e o latifundiário é a expressão concreta dessa política.

Por tudo isso já relatado, o que está acontecendo, concretamente, é a criminalização dos camponeses com o acirramento do conflito, uma vez que, tanto as policias, quanto os jagunços dos fazendeiros e participantes de organizações criminosas, agem como se os verdadeiros culpados fossem os camponeses. Não há comprometimento com a verdade real, mas sim ação oportunista para perseguir os camponeses e ao mesmo tempo, facilitar a grilagem.

Não há questionamento sobre o motivo do policial da reserva estar na área de conflito, pois, a alegação de que estaria pescando é muito pueril, já que os conflitos agrários sempre foram públicos e notórios na região, inclusive, o próprio grileiro havia ingressado com pedido de reintegração de posse e estava forçando a concessão de uma liminar: (Autos: 7030469-20.2020.822.0001- 7ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho/RO), sendo que após o assassinato do PM, o advogado do Galo Velho, no dia 05/10/2020, fez juntada de matérias jornalísticas sensacionalistas nos autos e petição para comover o juiz a conceder liminar de reintegração de posse, já determinando que as mortes teriam sido ocasionadas pelos camponeses e que a liminar deveria ser concedida com urgência. Nessa linha criminalizadora há discursos inflamados de autoridades policiais e políticas, inclusive com pedido ao Governo Federal de uma GLO para os camponeses (https://www.tudorondonia.com/noticias/marcos-rogerio-solicita-apoio-do-ministerio-da-justica-parasolucionar-conflitos-agrarios-em-rondonia,57512.shtml, Acessado em 07/10/2020).

Enquanto isso os Camponeses relatam que o PM da Reserva sempre fazia serviços de pistolagem para o Galo Velho na região, fato que deveria ser devidamente investigado pelos órgãos de Segurança, inclusive, apurar a responsabilidade do Galo Velho nesse assassinato.

Concretamente o Galo Velho está repetindo um “roteiro” realizado em 2004 no auge do processo de reintegração de posse do Acampamento Sol Nascente, na região de Cujubim; quando esteve envolvido no assassinato de um caseiro de sua propriedade e acusou camponeses, que responderam processo criminal e foi constatado no final que estes não eram responsáveis pelo crime.

Outro fato narrado pelos camponeses do Acampamento Tiago é a ação da PM que utilizando de helicóptero tem efetuado disparo de armas de fogos contra qualquer pessoa que esteja próxima do acampamento, havendo uma verdadeira trincheira impedindo a entrada e saída de camponeses da região.

Agora a tarde, dia 08 de outubro de 2020, os camponeses descreveram o cerco policial que estão sofrendo, sendo impedido de entrar comida e leite no acampamento, estando as crianças sem o leite desde segunda-feira (05/10/2020), pois, qualquer um que sai ou tente entrar no Acampamento é recebido com tiro pela PM. Essa operação da polícia, com mais de 290 policiais, está devidamente divulgada na mídia (https://ariquemes190.com.br/noticia.php?id=57169 Acessado no dia 08/10/2020). O que não contam é as condições em que estão colocando os camponeses do Acampamento Tiago dos Santos: cerco de guerra com previsões catastróficas. Vimos isso acontecer em 2016 no Acampamento Enilson Ribeiro, em Seringueiras, quando um grande cerco policial foi armado contra os camponeses que ocuparam A fazenda Bom Futuro, que veio a ser provado depois ser terra pública do INCRA. (https://maoistroad.blogspot.com/2016/07/brasillatifundiarios-preparam-ataques.html. Acessado em 08/10/2020).

Lamentável que a história se repita e esse grileiro continue usando as mesmas táticas de acusar camponeses de assassinatos e mais ainda que a mídia se some nessa difamação.

O Conselho Estadual de Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos da OAB foram acionados pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos – CEBRASPO/RO, no que aguardamos uma manifestação dos mesmos e o devido acompanhamento as violações de direitos humanos apontadas.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública já declarou “guerra” aos camponeses, não se preocupando em investigar a situação concreta sobre os assassinatos dos policiais militares. Esperamos o pior em desfavor dos camponeses que lutam por um pedaço de terra e agora estão marcados para morrerem.

A responsabilidade será única e exclusivamente do INCRA, Galo Velho e Estado por qualquer coisa que vier a acontecer com esses camponeses. Inadmissível que num Estado Democrático de Direito se promova divulgação e incentivo a grilagem, pistolagem e extermínio de camponeses.

Estamos acompanhando a situação dos camponeses do Acampamento Tiago dos Santos e aguardamos que providências sejam tomadas para evitar um novo “MASSACRE DE CORUMBIARA”.

Para qualquer informação, carta de solidariedade ou contribuições podem entrar em contato conosco pelo email: abrapojiparana@gmail.com.

Ji-Paraná/RO, 08 de outubro de 2020.

ABRAPO/RO/

Notas

1 Tiago dos Santos foi um dos camponeses assassinados pelo PM em 2018 na região onde se encontra o Acampamento 2 Amigos, acampamento vizinho ao Acampamento Tiago, portanto, área do conflito atual (https://mst.org.br/2018/08/02/cpt-de-rondonia-repudiamorte-de-trabalhadores-rurais-e-policial).

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *