NOTA DE APOIO ao Comitê Sanitário de Defesa Popular de Ouro Preto e ao Professor Marcos Calazans da UFOP

Manifestação contra a privatização da água de Ouro Preto, outubro de 2022
(Imagem: https://exnepe.org/2022/10/31/nota-contra-a-criminalizacao-da-luta-do-povo-de-ouro-preto-e-em-defesa-do-professor-marcos-calazans/)

A Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta – ABRAPO vem manifestar repúdio as ameaças feitas pelos vereadores da câmara municipal de Ouro Preto Wanderley Kuruzu (PT), Naércio Ferreira (Republicanos) e Júlio Gori (PSC) ao professor da UFOP Marcos Calazans e exigir das autoridades competentes a apuração dos crimes de ameaça cometidos por esses vereadores. Expressamos apoio e solidariedade à luta empregada pelo Comitê Sanitário de Defesa Popular de Ouro Preto-MG, organização independente de partidos políticos que surgiu em meio à pandemia do Corona Vírus para prestar solidariedade às famílias ouro-pretanas em meio à crise econômica, social e sanitária. O Comitê se defrontou com o clamor da população, principalmente os mais pobres de barrar a instalação de hidrômetros e inicio de cobranças de serviço de fornecimento de água, antes feito pelo município e agora com o processo de privatização pelo conglomerado multinacional Saneouro, empresa sul-coreana.

Esse Comitê vem se unindo à luta do povo, organizando reuniões e assembleias nos bairros e distritos para enfrentar a privatização. A resistência do povo à instalação dos hidrômetros resultou em uma derrota para a empresa que por mais de um ano não conseguiu iniciar o processo de cobranças por consumo. Porém, recentemente, a empresa anunciou o início das cobranças, agravando o cenário de tensões e medo na população que tem se sentindo espremida entre pagar as contas abusivas de água e se alimentar.

No último dia 19 de outubro, uma manifestação foi atacada covardemente pela guarda municipal após mais de 500 pessoas ocuparem a prefeitura exigindo o fim das contas abusivas cobradas pela empresa Saneouro. Diante da grande mobilização do povo de Ouro Preto (MG) contra a privatização da água, vereadores da cidade de Ouro Preto estão promovendo uma campanha de criminalização do Professor da UFOP Marcos Calazans e do Comitê Sanitário de Defesa Popular. 

As ameaças feitas ao Professor e ao Comitê são graves e precisam ser apuradas pelas autoridades competentes, já que representam uma afronta ao direito de livre manifestação e organização de atividade política e de ideias, direitos basilares, integrante do núcleo intangível da Constituição, previsto no art. 5º, inciso IV.  Nesse sentido, é expressamente vedada pela Constituição Federal a censura no artigo 5º, inciso IX, que dispõe ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e no §2º do artigo 220, é proibida qualquer espécie de censura de natureza política, ideológica e artística.

A ABRAPO tomará todas as medidas cabíveis para que os gravíssimos crimes cometidos pelos citados vereadores sejam apurados e punidos.

Reproduzimos abaixo, a nota do emitida pelo Comitê Sanitário de Defesa Popular: 

Nota contra a campanha de criminalização do Professor Marcos Calazans  do Comitê Sanitário de Defesa Popular 

O Comitê Sanitário de Defesa Popular de Ouro Preto-MG tem recebido graves ameaças e vem sendo vítima de uma campanha orquestrada pela prefeitura e Câmara dos vereadores de Ouro Preto em decorrência da sua atuação na independente e combativa na luta contra a privatização da água em Ouro Preto. O Comitê é uma organização independente de partidos políticos eleitoreiros que surgiu em meio à pandemia do Corona Vírus para prestar solidariedade às famílias ouro-pretanas que, em meio à crise econômica, social e sanitária, padeciam da carestia de vida e o desemprego. Nas campanhas de solidariedade o Comitê se defrontou com o latente clamor popular frente às simulações de contas abusivas resultantes do processo de privatização. Desde então o Comitê vem se unindo à luta do povo, organizando reuniões e assembleias nos bairros e distritos para enfrentar a privatização barrando a instalação dos hidrômetros como forma de impedir que o grande conglomerado multinacional Saneouro inicie as cobranças abusivas sob o povo de Ouro Preto. A resistência do povo à instalação dos hidrômetros resultou em uma derrota para a empresa que por mais de um ano não conseguiu iniciar o processo de cobranças por consumo. Recentemente, a empresa anunciou o início das cobranças agravando o cenário de tensões e medo na população que tem se sentindo espremida entre pagar as contas abusivas de água e se alimentar.

Na quarta-feira, dia 19 de outubro, uma grande manifestação convocada pelo Comitê Sanitário tomou as ruas de Ouro Preto e marchou em direção à prefeitura para exigir o fim da privatização. O povo decidiu ocupar a prefeitura e entregou as contas abusivas anunciando que não as pagaria, exigindo a presença do prefeito Angelo Oswaldo (PV). Além de não receber os manifestantes o prefeito por meio de seus secretários enviou a Guarda Municipal que agiu com truculência contra os manifestantes atirando spray de pimenta em idosos, mulheres e crianças em ambiente fechado. Em decorrência de sua participação neste ato o professor da UFOP e membro do Comitê, Marcos Calazans tem sido alvo de uma campanha orquestrada de agressões, ameaças, calúnias, e ataques à atuação como docente da Universidade Federal de Ouro Preto.

Na última manifestação em que estava presente, dia 26/10, os integrantes do Comitê Sanitário de Defesa Popular foram cercados enquanto um dos seus integrantes falava ao microfone. Os membros do Comitê foram agredidos pelo vereador Kuruzu e seus capangas por divergências ideológicas. Em seção da Câmara dos vereadores ocorrida no dia 27/10 os vereadores Wanderley Kuruzu (PT), Naércio Ferreira (Republicanos) e Júlio Gori (PSC), desataram uma odiosa campanha de ataques pessoais e calúnias tentando apresentá-lo como uma ameaça e que deveria ser banido da sociedade. A campanha contra o professor inclui ameaças à sua integridade física, difamações e clamores à perseguição e vigilância por parte dos agentes de segurança do Estado e pedidos de que o professor seja banido de sua atuação docente na Universidade Federal de Ouro Preto. Entre brados e discursos inflamados o vereador Kuruzu, acusando o professor de anarquista diz: “Ou esse professor se adequa aos limites do comportamento da sociedade do povo ouro-pretano ou terá que ser expulso!”…“Ele não vai conseguir fazer o que ele fez da penúltima para a última manifestação e afastar o povo de Ouro Preto, ele será afastado antes, do jeito que for preciso, vou repetir, do jeito que for preciso…Estamos te observando bem. O recado está dado, aliás já começou a ser dado ontem!” “Canalha, provocador”. E ameaça: “haverá violência na mesma proporção e contrária a ele”.

O vereador Naercio Ferreira diz: “ele não representa a classe dos professore da UFOP. Infelizmente é um indivíduo com características anarquistas que gosta de colocar lenha na fogueira, criando desordem, criando um cenário de maldade, um cenário de violência. Tomara que as medidas sejam tomadas, medidas até jurídicas”… “Anarquismo não cabe em Ouro Preto, não cabe no Brasil nem no mundo”. “O senhor deve ter fugido à aula, o senhor como professor deveria mudar a sua opinião”… “A UFOP tem que tomar uma atitude porque cada cidadão tem os seus direitos privados, mas eu imagino que a UFOP jamais incentiva um comportamento anarquista”. “Imagina se ele adentra a algum departamento público com essa personalidade distorcida voltada para a maldade e para a violência e comete um crime que pode ter proporções inimagináveis” … “A gente encontra em pleno século XXI um professor que deveria dar exemplo incentivando a cidadania e é um anarquista”… “Que lamento, a gente se sente triste e se sente até ameaçado por esse sujeito. Que a polícia possa monitorar esse comportamento que é depreciável e perigoso”. O vereador Júlio Gori afirma: Vem cá! Pula pra cima, seu imbecil! Você não representa a UFOP. Você tinha que ter vergonha! Mas pouco sabem, aí população, o professor que ganha quase igual o prefeito de Ouro Preto. Fazendo essa algazarra, essa zona dentro de Ouro Preto. A FAMOP tinha que fazer um documento devido a essas passagens que ele tem na justiça, boletim de ocorrência, etc. e pedir o afastamento dele, a presença dele nos atos que estão tendo aí, as manifestações que ele tenha que manter uma distância de 500 metros no mínimo, que faça em outro lugar”… “ Oh gentinha folgada, baixa a bola aí senão vocês vão arrumar pra cabeça hein! E tomara que o senhor Guido, com o jurídico da FAMOP entre com algum pedido solicitando o afastamento dele desses manifestos ordeiros que estão por vir ainda… Você não vem querer pagar de gatão aqui não! Aqui é madeira de dar em doido meu amigo, aqui é aroeira, não vem não pica-pau que aqui você vai se dar mal”.

Uma verdadeira perseguição ideológica ao estilo medieval de caça às bruxas, ou do regime militar fascista está sendo desatada contra a organização independente de luta do povo. Discursos que reproduzem a intolerância contra a militância política e ideias que não estejam alinhadas com a dos grupos políticos tradicionais que se revezam no poder local. Grupos estes que, em conluio, realizaram a privatização da água contra a qual a população e o Comitê Sanitário de Defesa Popular se colocaram em luta. Trata-se de uma clara tentativa de criminalização de ativistas de um movimento popular taxando-os como sujeitos perigosos com acusações falsas de supostas passagens pela polícia com objetivo de intimidação. Além de sua atuação política democrática o professor Marcos Calazans tem reconhecida e meritória atividade docente na Universidade, com destacada atividade em ensino, pesquisa e extensão e como coordenador do curso de física licenciatura. Diante dessas gravíssimas violações do direito de organização e atividade política e, tentativas de criminalização do Comitê Sanitário de Defesa Popular conclamamos a todos, professores, estudantes, trabalhadores e democratas a repudiarem toda prática persecutória contra o inalienável direito de lutar e a defenderem por meio de notas e mensagens de repúdio toda tentativa de intimidação e atos contra a liberdade de manifestação, atividade política e de ideias.

Comitê Sanitário de Defesa Popular 

28 de Outubro de 2022

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