Dr. Adenilson: um advogado do povo

Reproduzimos abaixo nota da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia e da Comissão Nacional da Liga dos Camponeses Pobres

Dr. Antônio Adenilson Rodrigues Veloso

“O advogado só é advogado quando tem coragem de se opor aos poderosos de todo gênero que se dedicam à opressão pelo poder. É dever do advogado defender o oprimido. Se não o faz, está apenas se dedicando a uma profissão que lhe dá o sustento e à sua família. Não é advogado.”
Sobral Pinto

Faleceu no dia 13 de maio último, em Montes Claros, aos 82 anos, o advogado Antônio Adenilson Rodrigues Veloso, após um longo calvário de internações, vitimado por uma série de complicações de saúde, certamente agravadas pela diabetes que o acompanhou durante a vida.

Natural de Mirabela, filho de tradicional família de proprietários de terras e políticos, teria deixado o seminário por uma paixão avassaladora, e se tornou advogado.

E quis o destino que o “Dr. Adenilson”, como a ele se referem os camponeses, fosse o primeiro a defender as tomadas de terra do movimento camponês revolucionário do Norte de Minas já no final do século passado (1998).

Sob a direção da Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia, os camponeses pobres da região (em grande maioria descendentes dos indígenas e pretos, por séculos explorados, assassinados e expulsos de suas posses) elevaram sua luta da fase de resistência para a fase de destruição do latifúndio. E os primeiros latifúndios tomados foram aqueles em que os camponeses haviam sido expulsos com violência durante o período do regime militar a partir de 1964. Ainda com as bandeiras da Liga Operária e Camponesa e das Comissões Camponesas de Luta (a LCP foi fundada após estas tomadas de terras), os camponeses retomaram terras em Varzelândia, Verdelândia (Cachoeirinha), Matias Cardoso e Manga.

A pistolagem tradicional não deu conta. As forças policiais, acostumadas com covardias e seu papel de “capitão do mato” a soldo do latifúndio também não. Os camponeses contavam com nova organização e direção. É aí que entra a “justiça” do “Estado Democrático de Direito”, fruto da Constituinte de 1988 que proclamava o fim do regime militar. Qual nada! A mesma perseguição aos camponeses do regime anterior, uma “justiça” que defendia os latifundiários bandidos ladrões de terras, e para os camponeses a única certeza era a “liminar de reintegração de posse”, além das acusações de formação de quadrilha, violência, banditismo, etc., etc., etc. Neste momento surgiu o debate entre os companheiros: procurar quem?

O nome do “Dr. Adenilson” estava na ponta da língua dos companheiros mais velhos. Não que ele tenha atuado juridicamente na primeira tentativa de retomada das terras de Cachoeirinha, entre 1983 e 1985. Mas o “Dr. Adenilson” havia enfrentado, politicamente, o carrasco e assassino “Coronel Georgino” nesta época. E falou quase tudo que os companheiros gostariam de ter dito, se tivessem voz.

Consultamos os companheiros que então organizavam a Liga Operária e Camponesa, que também conheciam o Dr. Adenilson da resistência ao regime militar, meados dos anos de 1970 e início dos anos 1980. Foi fácil tomar a decisão:

Era ele a pessoa certa!

Atuando na resistência à ditadura militar, então já advogado conhecido pela erudição, conhecimento, capacidade técnica, rebeldia e coragem de enfrentar os poderosos, Adenilson ganhou as manchetes do monopólio da imprensa por protocolar ação popular contra a corrupção no Ministério do Trabalho praticada pelos militares e pelo então Ministro Cesar Cals; participara ativamente na campanha de denúncia do “massacre de Cachoeirinha”, ocorrido em 1967 e que naqueles anos de 1980, com a acelerada decomposição do regime, se constituiu em bandeira levantada por todo o campo democrático e de oposição, com as “palavras de ordem” de terra e justiça.

Fiel às suas concepções de classe (pequena burguesia genuinamente nacional), e com a então frente contra o regime militar (MDB) já enfrentando suas próprias limitações e sendo bombardeada pelo oportunismo principalmente do PT, Adenilson tomou o caminho de criar na região o PDT de Leonel Brizola.

Afrontando os coronéis da ARENA fez sua pregação com pouquíssimos recursos, e mesmo no final dos anos 90, quando as bandeiras da LCP insurgiram no norte de Minas, encontramos várias porteiras pichadas com dizeres alusivos a propaganda militante levada a cabo por Adenilson.

Adenilson levava vida simples, franciscana. Os bois que lhe restaram de herança ele vendia para bancar a advocacia militante, entre uma e outra ação de maior vulto financeiro. Também apoiava os familiares, principalmente os sobrinhos filhos de um irmão mais velho querido, cuja morte precoce foi muito sentida.

Atendia muitas vezes de graça gente simples do povo, e quantos da região entre Mirabela e Montes Claros o procuravam… Pelo seu escritório circulavam comunistas, outros revolucionários, vítimas das torturas da ditadura; também dezenas de advogados que o consultavam; e mesmo pessoas que eram parte do “baixo clero” do latifúndio, quando em contendas com outras da mesma classe opressora, circulavam amiúde pelo escritório do Dr. Adenilson, pois com raríssimas exceções os advogados temiam assumir tais demandas por medo de represálias. “Mão aberta”, Adenilson também ajudava muitos que o procuravam, pelo que pedia em troca serviços simples para justificar o “socorro”.

Quando chegamos ao seu escritório, demos as credenciais (falamos dos companheiros antigos e do nosso movimento atual), relatamos as lutas e sinceramente, não para fazer poesia, vimos brilhar seus olhos. Dr. Adenilson beirava os 60. O “doutor” parecia não acreditar que a luta estava viva. Pudera!

Ao prevalecer o oportunismo (social democracia de direita e de “esquerda”, PSDB e PT), aos verdadeiros homens e mulheres de princípio, nos marcos da ideologia pequeno-burguesa sem acesso ao verdadeiro marxismo, restara a desolação e um certo sentimento de frustração, de entregar o melhor da vida por nada.

Melhor que nestes tempos sombrios Dr. Adenilson não se entregara. Colecionou advertências, processos e prisões por ridicularizar poderosos e o sistema. Seguia combatendo, talvez assim o compreendesse, sozinho. Mas seguia combatendo.

Dr. Adenilson assumiu nossa causa. Cobrou uma micharia, dividiu em uma entrada e o resto em prestações. Justo. Não nos conhecia. Mas nos tratou como companheiros.

E fez defesas e argumentações soberbas!

Exatamente o que precisávamos

Ao contrário do oportunismo, que nesta época fazia a defesa jurídica dos processos de reintegração de posse baseada em supostos “avanços” da constituinte de 1988, como a “função social da propriedade da terra”, que é letra morta como o direito de greve, a limitação dos juros, etc., etc., etc., as peças do Dr. Adenilson mostravam como estas reintegrações eram ilegais pela simples aplicação do direito civil, eram aberrações jurídicas que só prosperavam pela inexistência de qualquer vestígio de “estado democrático de direito”, de qualquer lampejo de democracia, mesmo no sentido burguês.

Certa feita em Manga, onde era julgado um destes mandatos de reintegração de posse, uma liminar contra camponeses de Matias Cardoso, Dr. Adenilson estava presente. Fomos, a LCP e uma caravana de camponeses, acompanhar a audiência. Os supostos “donos” da terra, os Mirondes, eram poderosos. O comentário geral era de que sairíamos presos da audiência. Sabíamos que o latifúndio havia comprado fogos de artifício para comemorar nossa derrocada. Também tínhamos nosso arsenal.

Começa a audiência. Os camponeses se entreolham e olham assustados para a direção da LCP, que havia levado o “Dr. Adenilson”. O “homenzarrão” que assustava os latifundiários era um homem de estatura mediana, ligeiramente fanho, simples, tranquilo, carregava uma “matula” com lanche próprio de diabéticos. Em uma sacola de plástico de supermercado.

O primeiro interrogado foi Lió, gerente do latifúndio. Odiado pelos camponeses. E eis que o Dr. Adenilson tece elogios a Lió (o olhar de espanto dos camponeses se acentua). Pergunta quem seria o dono do gado, pois os Mirondes já não iam a Matias Cardoso havia pelo menos dez anos. Seria de um arrendatário? Lisonjeado, Lió confirma que era de um terceiro. Os camponeses estavam a perder a paciência, os olhares para a direção da LCP não eram mais de dúvidas, mas de desaprovação. Dr. Adenilson dá corda. Pede uma pausa para o Juiz, pois por sua diabetes teria que comer algo. Dr. Adenilson volta e sacramenta: – Sr. Juiz, estamos discutindo posse, e não propriedade. Se alguém poderia questionar a posse dos camponeses este seria o arrendatário, e não o “proprietário”. Acabou! Vitória! Festa! Em Manga e em Matias Cardoso. Quem estaria preso agora tinha a posse da terra, E OS COMPANHEIROS ESTÃO LÁ ATÉ HOJE!

Teríamos ainda muita coisa para contar

Mas vamos resumir em mais dois episódios.

Em uma causa em Varzelândia Adenilson fez justiça histórica. Recuperou para os pretos locais um pedaço de terra roubado durante o regime militar, que talvez Adenilson não soubesse à época a dimensão do que logrou. Nós da LCP só viemos a saber após o brilhante trabalho de Luiz Chaves sobre o herói do sertão “Saluzinho da Grota”. A revolta de Saluzinho, que em uma grota resistiu vários dias contra um grande aparato militar, se deu após os militares, a soldo do latifúndio, expulsarem o “velho” Gaspar e seus irmãos de suas propriedades documentadas, o que permitiu ao latifundiário expandir seus domínios até o Rio Arapuim.

m uma petição simples, diante de uma tresloucada sentença de um juiz de São João da Ponte que repetia mil vezes que as terras eram do latifúndio posto que Gaspar e seus irmãos eram “sem terras”, uma vez que defendidos pela LCP e por Adenilson, nosso causídico respondeu: – “Sr. Juiz, é o primeiro sem terra que conheço com documento da terra”. O velho Gaspar, já falecido, viveu os últimos anos de sua vida comemorando estar sobre suas terras legítimas.

Seus descendentes ainda estão lá com todo orgulho, onde é o Brejo dos Crioulos.

Por fim, quando os estudantes da Unimontes lutavam contra a escorchante e ilegal taxa de matrícula, procuramos o Dr. Adenilson. Ele não se cansava de denunciar o então reitor da instituição como “Dr. Chibata” (referência ao médico paulistano que fabricava e assinava laudos de “morte natural” dos revolucionários assassinados sob tortura nos porões do regime militar). Tal elemento fez o mesmo papel criminoso nas terras mineiras. Dr. Adenilson, pelo seu escritório, comprou a briga, e

AS TAXAS DE MATRÍCULAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS FORAM DERRUBADAS EM TODO O BRASIL!

Para homenagear o querido Dr. Adenilson nosso parâmetro histórico é o Dr. Sobral Pinto. Homens da mesma estatura.

Que os que considerarem esta homenagem justa leiam o artigo:

https://anovademocracia.com.br/no-243/16345-sobral-pinto-um-advogado-do-povo

Que a intelectualidade honesta se debruce sobre o labor valente, honrado e proficiente deste companheiro.

Siga seus melhores exemplos. E que encarem o desdém com sua perda pela sociedade decrépita destes tempos finais do imperialismo como uma verdadeira homenagem.

Os miseráveis de caráter não podem homenagear os gigantes!

Dr. Adenilson você venceu. Inclusive deixou, de seu próprio sangue, sucessor à altura!

aquilae non gerunt columbas *

* em latim: águias não geram pombas

Pensamos: Dr. Adenilson, o Sobral Pinto dos sertões, o Sobral Pinto “do pequi”. Seria pouco. Poderia parecer jocoso.

Dr. Adenilson: um advogado do povo

Dr. Adenilson: Presente na luta!

Montes Claros, 20 de junho de 2022

Liga dos Camponeses Pobres do Norte de Minas e Sul da Bahia

Comissão Nacional das Ligas de Camponeses Pobres

Veja a nota na íntegra no link abaixo:

https://drive.google.com/file/d/1hYx1EEE8-I-uhleMfNhLvoFcCuEr7_3n/view?usp=sharing

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